29/06/2018
28/06/2018
27/06/2018
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“O
estudante é um ser partilhado entre um estatuto presente e um
estatuto futuro claramente distintos, cuja fronteira será
mecanicamente transposta. A sua consciência esquizofrénica
permite-lhe isolar-se numa «sociedade de iniciação»,
desconhecendo o seu futuro e encantando-se com a unidade mística que
lhe oferece um presente ao abrigo da história. (…) Embora a sua
tardia crise juvenil o oponha um tanto à família, aceita facilmente
ser tratado como criança nas diversas instituições que regem a sua
vida quotidiana.”
AAVV,
“Da Miséria no Meio
Estudantil”, pág.
27,
Antígona Editores Refractários, Lisboa, Maio 2018.
“O
estudante (…), na sua qualidade de ser ideológico, chega tarde
demais a tudo. Todos os valores
e ilusões que constituem o orgulho do seu mundo fechado estão já
condenados como ilusões insustentáveis, desde há muito
ridicularizadas pela história.
Recolhendo
um pouco dos sobejos de prestígio da Universidade, o estudante ainda
se sente satisfeito por ser estudante. Tarde demais! O especializado
ensino mecânico que recebe está tão profundamente degradado (em
relação ao antigo nível da cultura geral burguesa1)
quanto o seu próprio nível
intelectual no momento em que a tal ensino acede, e isto pelo simples
facto de a realidade que domina o conjunto destas coisas – o
sistema económico- reclamar uma fabricação maciça de estudantes
incultos e incapazes de pensar. Que a Universidade se tenha tornado
uma organização – institucional – da ignorância, que a própria
«alta cultura» se dissolva ao ritmo da produção em série dos
professores, que todos
estes professores sejam uns cretinos, de tal modo que a maior parte
de entre eles provocaria a algazarra de qualquer público de liceu
(...)”
AAVV,
“Da Miséria no Meio
Estudantil”, pp.29-30, Antígona Editores Refractários, Lisboa,
Maio 2018.
1Não
nos referimos à cultura da Escola Normal Superior nem à dos
Sorboniqueiros, mas à dos Enciclopedistas ou de Hegel.
26/06/2018
23/06/2018
21/06/2018
19/06/2018
E foi mais ou menos assim...
Lewis Mumford |
Foi uma excelente apresentação, da tão aguardada edição portuguesa, pelo Jorge Custódio. O livro é da Antígona Editores Refractários e foi apresentado no passado dia 15 de Junho No Museu da Electricidade em Lisboa.
da esquerda: Jorge Custódio, Luís Oliveira, Lurdes Afonso |
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MEU
ILUSTRE AMIGO:
Venho
responder conformadamente à segunda rajada sentimental, romanesca,
dêsse tirânico Sebastianismo a que sacrificou o seu intelecto. A
sua réplica é (como não podia deixar de ser) um escuro labirinto
confusíssimo das mais ilógicas alegações, de palavras indefinidas
e de frases sem sentido. O estado de espírito em que se acha agora
torna-o sensível às sugestões de inteligências inferiores; e o
Sebastianismo, apanhando-o enfermo, trouxe ao seu espírito a
escuridão. Falo-lhe, portanto, como a um doente passageiro, que
tenho a certeza que se curará. O verdadeiro Malheiro Dias – o não
antero-de-figueiredista, – há de um dia reaparecer, para triunfo
(e alegria) de amigos sinceros e leais, Pudesse eu, na minha
modéstia, ver a justa recompensa de o ajudar a ressurgir!
E
vamos lá.
Recordemos,
para clarezas, como se originou esta questão.
Pediu-me Raúl Proença, um dia, uma pequena introdução histórica
para o seu Guia de Portugal. Comecei por me escusar a favor de
pessoa mais idónea, mal pensando que o meu escrito se tornaria tão
famoso. Mas êle insistiu, e obedeci.
António
Sérgio.
17/06/2018
16/06/2018
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Coimbra,
16 de Junho de 1938 –
De quantos ofícios há no
mundo, o mais belo e o mais trágico é o de criar arte. É ele
o único onde um dia não pode ser igual ao que passou. O artista tem
a condenação e o dom de nunca poder automatizar a mão, o gosto, os
olhos, a enxada. Quando deixa de descobrir, de sofrer a dúvida, de
caminhar na incerteza e no desespero – está perdido.
Miguel
Torga, “Diário I”, pág. 69, 1941, Coimbra.
10/06/2018
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Tunes, 14-3-26.
Querido
amigo:
Tenho-lhe
mandado vários bilhetes postais, e, de Argel, uma longa carta, que
não encontro notada no meu livro de lembranças e a cuja data me não
posso referir. Tudo lhe tem sido endereçado para o Museu. Entretanto
recebi (em Argel) a sua estimada de 10 de Janeiro, dirigida para
Oran, que muito agradeço.
A
minha viagem, tão auspiciosamente começada, transtornou-se um
pouco, mercê de uns antrazes que me apareceram no peito, e de que
ainda não estou inteiramente livre. O sofrimento tem sido grande,
mas nem por isso amaldiçoo a Providência, pois sem tal empacho a
minha felicidade seria completa, absoluta, paradisíaca, o que não é
próprio deste mundo. Acresce que as tremendas lancetadas com que os
médicos me têm mimoseado me estão arranjando um peito de herói,
cheio de gloriosas cicatrizes, o que talvez algum cronista ainda
aprovite para me atribuir feitos guerreiros durante a minha
pachorrenta presidência. E assim poderei passar à posteridade mais
bem enfeitado!
Embora
eu não tivesse plano definido de viagem, nem itinerário certo,
estava longe dos meus cálculos esta grande demora no Norte de
África, a que me obrigaram os tais antrazes. Porém com essa demora
tenho aproveitado em ver repousadamente e repetidamente monumentos e
sítios que visitados de passagem só deixam na memória impressões
confusas, mas que merecem contemplação repetida, para lhes
entrarmos um pouco na intimidade, de modo que nos fiquem de lembrança
como perpétuos elementos de beleza e de sonho. Nesse sentido a
Tunísia é talvez ainda mais variada e rica do que a Argélia, e as
três semanas que aqui tenho passado, apesar dos bichocos, marcam um
período luminoso, de magnífico prestígio estético, na minha vida
– mesmo entre os melhores períodos que ela conta.
Com
esta carta vão alguns cartões, reproduzindo obras de arte grega, da
melhor época, que estão no Museu Bardo (antiga e faustosa
residência do Bei, cercada de extensos jardins) e foram encontradas
no fundo do mar. Provinham elas, supõe-se, de um navio que Sila
carregara no Pireu, com o produto da sua rapina em Atenas, e eram
destinadas a ornar o seu palácio em Roma. Como todas as reproduções
que se encontram em postais no Norte da África francesa, estas são
péssimas, e indignas dos admiráveis originais, entre os quais
figuram umas estatuetas grotescas, de anões ou anoas dançarinas,
extraordinárias de carácter e originalidade. Tudo isto é de
aquisição recente e portanto posterior à época das minhas juvenis
peregrinações por estes sítios.
E
ponto, que a obrigação de escrever na cama, sobre uma pasta apoiada
nos joelhos – efeito dos antrazes – não me permite ser tão
extenso como me propunha ao começar esta carta.
Respeitos
e cumprimentos para sua mulher.
Do C.
M.
Teixeira-Gomes, “Cartas a Columbano”, pp.11-13, Portugália
Editora, 1957, Lisboa.
07/06/2018
Voluntariado!...
Uff! É uma canseira trabalhar para a UE… Este meu estágio não remunerado ao serviço do Novo Regulamento de Protecção de Dados é um belo exemplo…
28/05/2018
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“Coimbra,
28 de Maio de 1942 – O dia foi um boi que morreu aqui ao pé,
num lameiro. Andava a lavrar, e de repente caiu redondo no chão.
Tiraram-lhe a pele e enterraram-no ali mesmo. A charrua a brilhar em
cima da sepultura foi o seu ramo de flores.”
Miguel
Torga, “Diário
II” 3ª ed. Revista, pág. 36, Coimbra Editora, 1960.
27/05/2018
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Porto,
27 de Maio de 1944 –
O romance é a vida de
relação. Onde não há convívio não pode haver enredos, nem
lances. Ora como em Portugal cada um tem a sua toca e a sua
pateguice, não há romance. O pobre do Camilo bem quis. Mas era
sempre a mesma gente a fazer as mesmas cenas. O que matou aquele
grande génio foi nunca ninguém o convidar para tomar chá.
Miguel Torga, “Diário
III”, pág. 58, 1954, Coimbra.
25/05/2018
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“Uma
accasião, em Paris, entrei numa barraca de feira onde se exhibia uma
phoca e uma mulher de barbas. A mulher era um homem, de vestido
decotado, a phoca era um cão, coberto com a pelle do animal em
questão, e nadando num pequeno tanque. Uma coisa sem graça. Quando
sahi, o dono da barraca, dizia, apontando-me: «Perguntem a este
senhor se vale ou não a pena, vêr estas maravilhas! Senhores,
senhores, entrae, entrae!» Não posso explicar o motivo, porque me
teria sido desagradável desmentir esse homem. Era sobre sobre esse
facto que elle contava. Succede o mesmo com os desilludidos da lua de
mel: não querem destruir o sonho dos outros.”
Leão
Tolstoi, “A Sonata de Kreutzer”, pág. 47, Guimarães &
C.ª Editores, trad. Maria Benedicta Pinho, s/d.
24/05/2018
23/05/2018
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“Coimbra,
23 de Maio de 1942 – No meio desta desgraçada guerra, toda
aço, ferro, bombas, e coisas técnicas onde entra tudo menos uma
instintiva e sanguínea vontade de combater, um lampejo de esperança:
a notícia nos jornais de que na Austrália, entre a tropas
americanas, existe um homem, um índio, que ouve o som do aviões
inimigos antes dos aparelhos de escuta!”
Miguel
Torga, “Diário
II” 3ª ed. Revista, pág. 34, Coimbra Editora, 1960.
20/05/2018
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Lorvão,
20 de Maio de 1944
– Como
tudo se desatualiza, perde o sentido, se torna anacrónico e
monstruoso! Na Idade Média, e mesmo depois, casarões destes, grades
destas, ermos destes, eram moradas, atributos e lugares de salvação.
A tísica e a brancura de uma monja significavam estigmas de
santidade e de triunfo, e a história, a filosofia e a moral só
tinham que partir daí para explicar, justificar e louvar. Hoje, cada
ser humano enclausurado nestas celas gradeadas, a pagar renda ao
Estado, é um condenado à morte por uma sociedade reles, que não
pode encontrar em nenhuma consciência ou tribunal um sentimento de
defesa.
Miguel
Torga, “Diário
III”,
pág.
51,
1954,
Coimbra.
19/05/2018
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Um debate "Animado" (mas não foi a Porto Lazer), no Palácio da Bolsa em 14_05_2018 que quase não foi noticiado. Numa iniciativa da união de freguesia do centro histórico do Porto. Viu-se a indignação dos cada vez menos moradores 'autóctones' contra os despejos derivados desta especulação imobiliária, ganância, e turistificação selvagem... |
16/05/2018
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Coimbra,
16 de Maio de 1944
RAÚL
BRANDÃO
Ao
lado das grandes figuras realizadas,
cuja sombra, de tão cerrada, nos arrefece, há uma outra categoria
de artistas, que o são deveras, debaixo da copa de quem a gente
refresca e medita. Insisto em que se não trata de artistas menores,
ou coisa assim. Quando se diz artista, não há escala. Tão grande
é, especificamente, Shakespeare como Baudelaire. Apenas um tocava
num piano sem fim, e o outro num violino.
Destes homens assim, cujo poder material só vai à gaita feita dum
caule de cevada verde, há aqui em Portugal imensos. Raúl Brandão,
que é desses, é para mim dos mais atraentes e dos mais fecundos.
A
obra realizada em tamanho, em Lusíadas,
em Comédia Humana, em
Sinfonias, destrói a
obra por acabar, sonhada, esboçada, nimbada duma preguiça de
promissão. As Berlengas que Brandão no deixou, as maravilhosas e
nunca decifradas Berlengas que todos hoje conhecemos, não são as
dos Pescadores. São o
próprio assombro do artista, deitado nas rochas de Peniche a olhar
os brumosos penedos. Um romance articulado da Candidinha talvez fosse
eu, sei lá!, um grande livro. Mas não seria tão sugestivo como
essa balbuciada Farsa
que nos deixou, cósmica, protoplásmica, com portas para todos os
horizontes da vida, e sem destino nenhum. Sempre que pego num livro
de Raúl Brandão, estremeço. Como não sou capaz de o levar ao fim,
como não é capaz de me possuir inteiro, parece-me sempre que toquei
no grande corpo humano do autor, informe, mansarrão, aparentemente
morto, e onde um raio de luz desencadeava uma tormenta. Já na
estante, cada letra do título é ainda um dos seus olhos azuis de
pescador, meigos e lancinantes, a contemplar-me.
As
suas obras mais falhadas são para mim as melhores. As Memórias,
por exemplo. De O Doido e a morte,
obra perfeita, a gente ri-se e gosta, certamente. Das Ilhas
Desconhecidas, a gente lê e
gosta também. Dos
Pescadores, a gente
relê e gosta mais. Mas das Memórias,
do Húmus, dos Pobres
e do resto a gente não gosta. Fica com aquela massa imensa cá
dentro para ir articulando pela vida fora de seu vagar. Porque uma
coisa é um livro falhado e condenado à morte, e outra um livro
falhado e condenado à vida. Há lá coisa mais palpitante de seiva,
de eternidade, do que certos bosquejos de Raúl Brandão, a arfar
como ondas sem vento num mar de emoção!
O grande sonhador não foi capaz de contar uma história direita.
Não tinha imaginação romanesca, nem sabia. Mas cada esforço, cada
passo para nos dizer a palavra específica sobre uma figura, é um
alanceado desespero de ternura e trágica beleza.
Não é preciso que Raúl Brandão, ou qualquer outro artista assim,
fique no primeiro lugar da história da literatura. Um primeiro lugar
ao lado de Frei Heitor Pinto ou mesmo de Sá de Miranda interessa
pouco. Mas já não é o mesmo ficar ao lado da sua própria
evidência, tentador como um fruto imaturo.
Miguel
Torga, “Diário
III”,
pp.
43-45,
1954,
Coimbra.
13/05/2018
12/05/2018
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Hoje
falarei do Marrão.
Morreu
o portador desta alcunha há um bom par de anos nas costas de África,
mas ainda não está esquecido. Aliás, os mais simples casos
passados há vinte, trinta ou mais anos, contam-se aqui como do tempo
que corre. Os antigos têm poucas distracções: não entraram para
as fábricas de Gouveia e Moimenta, como os novos, não se dividiram
nem se dispersaram, não mudaram de vida. Curtem o seu reumatismo e
as suas memórias. Memórias vivas, nunca alteradas, mas apesar de
tudo sem aquele fartum de velhas que enfada o ouvinte. Parece-me a
mim… Já me tem calhado perguntar, com o devido respeito: Isso
passou-se?… E obter de resposta: Deixe-me cá ver: ô! Inda eu não
tinha ido prà América; ou já tinha voltado da América; a minha
Teresa inda não era nacida… Em resumo, à roda de uns trinta anos.
Porém os fins do Marrão são mais recentes. Morreu degredado,
comido pelos pretos, constou cá na aldeia. Mas ninguém o chorou,
nem a mulher, uma coxa, a única do povo, de modo fino, cauteloso e
sabido.
O
Marrão foi casado, como se vê, e teve filhos de que hoje só resta
um. É torto, como o pai, mas ainda não tem cadastro oficial. É
bruto, mal falante e sombrio, a prometer sempre que há-de vir a
morrer degredado lá por coisas a que o obriguem… Serão ditos do
vinho, ou o sangue maligno do pai que ainda bula nele. Porém, os
companheiros acomodam-no e ele não vai além das promessas. A vida
do Marrão era digna de ser contada. Mas por quem? Por algum dos seus
parelhas da serra. Pelo Maurício, pastor que bastas vezes o
defrontou, homem firme, incapaz de dar costas a outro. Mas o
Maurício, que tantas referências lhe faz, remata o assunto sempre
mais ou menos deste jeito: Foi um miserável, um desgraçado! Já
pagou e nós inda estamos a dever.
(…)
“
Irene
Lisboa, “Crónicas da Serra”, pp.12-13, Livraria Bertrand,
Lisboa, s/d.
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