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16/08/2016

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“Está escrito pelos gregos antigos que quem muito se olha cega e quem muito se ouve perde a voz. A lição tem mais de mil anos e parece que é de agora. Mas, vê tu, os próprios gregos, que a escreveram em forma de fábulas e de lendas, não a souberam seguir. Eles, que eram sábios e avisados, morreram sobre o peso dos mitos que inventaram. E por mitos quero eu dizer imagens com que tentaram explicar-se fora do tempo e só para a Eternidade. Fui claro, Ritinha?”

José Cardoso Pires, Dinossauro Excelentíssimo, pág. 79, Bertrand, 1973. 

06/12/2015

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“O mais curioso é que talvez por não terem mulheres ou por andarem cheios de medo dos professores, se vingavam constantemente uns nos outros, rasgando capas à tesourada, rapando o cabelo aos mais fracos, fazendo trinta por uma linha. Nessas ocasiões soltavam gritos de guerra:
«EFE-ERRE-A... FRÁ
«EFE-ERRE-E... FRÉ
«EFE-ERRE-I... FRI
procurando assim decorar o abecedário.
Longe, nos quintais, os que não andavam de tesoura em punho cantavam para chamar mulher. E, Jesus, era de arrepiar. Ouvia-se a guitarra: gemia tremidos, miudinha, ouvia-se a voz: tinha trinados de ave capada, toda mel e lua cheia. Estava-se, escusado será dizer,

NA CIDADE DOS DOUTORES


José Cardoso Pires, “Dinossauro Excelentíssimo”, pág. 22, Liv. Bertrand, 1973.

04/12/2015

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As mil-maravilhas duma viagem ao reino do Mexilhão em comboio-fantasma!

Monstros, almas penadas, múmias pré-históricas e outras teias de aranha de primeiríssima fancaria (paridas pelo Grande Sono da Razão)!

Cadáveres esquisitos! Videntes à tarefa! Fuças medonhas! Broncossáurios!

Caixöezinhos de surpresas!

Sustos pele-de-galinha e cabelos-em-pé!

Organizadas manifestaçöes espontâneas! Pedintes Voadores (sem rede)!

Discursos em Gótico Ornamentado! Medalhas Comemorativas!

Marchas típicas, procissöes e outras cívicas manifestaçöes de notáveis e mexilhöes!
(trajo de fantasia)

RIR! RIR! RIR!
(fornecem-se dentaduras postiças)

INACREDITÁVEL

Uma câmara de torturar palavras. Um computador maluco! Uma ilha que se transforma em duas casa! Uma camioneta do feitio de um burro (eminentemente bíblico)! Um mostrengo que está no fim do mundo e que morre e ressuscita só para morrer de vez em estátua!

LEILÄO DE ANTIGUIDADES!
(trajo de cerimónia)

KOLOSSAL! ESTRITAMENTE PRIVADO!

Romagem à cartilha do Superdoutor (ou Doutor-entre-os-Doutores, ou Doutor-por-todos-os-lados), o Excelentíssimo Imperador Dinossauro Primeiro, o Bicho-Que-Devora-Palavras!

Excursão à Torre das Sete Chaves, à estátua de bronze, à vírgula caseira, à sala das torturas linguísticas, à amnésia fatal tudo lugares RIGOROSAMENTE HISTÓRICOS!
(trajo de luto)

FIM DE FESTA! DANÇAS NO ARAME! COMES-E-BEBES (PELA MEDIDA GRANDE)! DISCURSOS AO DESAFIO! GRANDES MANOBRAS! LEMBRANÇAS REGIONAIS PARA OS HOMENS DE AMANHÄ E MASCARADAS DE MEXILHÖES PARA OS CADÁVERES-ADIADOS DE HOJE!
(Todos os dias, novas viagens do comboio-fantasma)

Visita guiada à Fábrica dos Doutores, primeira indústria do Reino!

Grandiosos Ventos Históricos! Turismo ao Pó da Sonolência e ao Tanto-Faz-Como-Fez!

Folheto especial para se entender a língua da Comarca, o código democraticamente secreto de sinais convencionais!
(Para ler nas entrelinhas)”


VITOR SILVA TAVARES
(nas Badanas de “Dinossauro Excelentíssimo” de José Cardoso Pires, 5.ª ed., Livraria Bertrand, 1973.)




06/08/2013

Da «Cartilha (M/F)aternal»...




“Marialva é o antilibertino português, privilegiado em nome da razão de Casa e Sangue, cuja configuração social e intelectual se define, nas suas tonalidades mais vincadas, no decorrer do século XVIII.
No convencionalismo popular (ou antes pequeno-burguês) marialva é o fidalgo (forma primitiva de «privilegiado») boémio e estoura-vergas. Socialmente será outra coisa: um indivíduo interessado em certo tipo de economia e em certa fisionomia política assente no irracionalismo.”

José Cardoso Pires, “Cartilha do Marialva - ou das negações libertinas”, Editora Ulisseia, p.9, Lisboa, 1967.


“Por sua vez, a Política e a Administração, perdendo o estímulo da crítica activa, desligam-se gradualmente do cidadão, irresponsabilizam-no. Passam a construir uma actividade de clientelas que procuram formas de manutenção desse equilíbrio social à custa de soluções imediatas, de sobrevivência pelo dia-a-dia, como é uso tradicional dos providencialistas e dos caciques locais.”

José Cardoso Pires, “Cartilha do Marialva - ou das negações libertinas”, Editora Ulisseia, p.66, Lisboa, 1967.


“Fatalidade do tempo, a Ciência apresenta-se como desafio irrecuperável às verdades eternas, como heresia ou exibicionismo, aventura que tende a reduzir o homem à máquina sem alma. E a arte como exploração pretensiosa, ou ainda: ocupação para inadaptados. Hollywood, as biografias em série e os comic strips distribuem esse retrato exótico do intelectual: o sábio débil e lunático; Chopin compondo num acesso de fúria enquanto o vendaval lhe destelha a casa; Van Gogh, o pintor de uma orelha por uma prostituta; Bocage, o das anedotas e dos sonetos entre sécias.
Com isto, isola-se o intelectual do convívio comum, recusa-se-lhe o estatuto dos valores colectivos. Melhor dito: propõe-se-lhe uma disfarçada alienação, tolerando-a à margem e enaltecendo-lhe as irresponsabilidades. Dá-se-lhe o lugar dos predestinados ou a condescendência dos ingénuos semiloucos – e fica defendida a sociedade de ideias pelo menos ociosas. E simultâneamente «eternizada» a obra de criação.”

José Cardoso Pires, “Cartilha do Marialva - ou das negações libertinas”, Editora Ulisseia, p.105, Lisboa, 1967.


“Com tantas facetas e quase sempre genialmente expostas, Fernando Pessoa projectou o seu desejo de universalidade com ideias que permitiram explorações posteriores da parte dos pensadores menores que lhe sucederam. O irracionalismo dos passadistas soma D. Sebastião ao Supra-Camões e monta a sua interpretação providencialista da História. Daqui a uma teoria natural das elites («os génios de nascença») é um salto minúsculo e, vai não vai, está declarada a divinização do poder, a aceitação dos predestinados.
Agora, sim, pode falar-se da «missão do Estado que opõe obediência ao espírito de revolta e a renúncia à ambição» e estende-se esta palavra de ordem colectiva à manutenção da ordem doméstica. Bem entendido, Pessoa não foi tão longe. Mas nas viagens e contraviagens que fez no domínio da especulação deixou muitos sinais que os integralistas e outros aproveitaram como padrões de honra na sua restauração do Portugal Antigo.”

José Cardoso Pires, “Cartilha do Marialva - ou das negações libertinas”, Editora Ulisseia, pp.186-7, Lisboa, 1967.