O repórter fotográfico 
foi ver a fuzilaria. 
Ganhou o prémio do ano 
da melhor fotografia. 
Notícias não confirmadas 
informam, de origens várias, 
que as tropas revolucionárias 
recentemente cercadas 
acabam de ser esmagadas 
com perdas extraordinárias. 
Na redacção do jornal 
corre tudo em sobressalto. 
A hora é sensacional. 
Toda a gente dormiu mal, 
gesticula e fala alto. 
Passageiros recém-chegados 
do lugar da revolução 
viram dúzias de soldados 
prontos a ser fuzilados 
e muitos já arrumados 
e amontoados no chão. 
Agora que se anuncia 
já estar regulado o tráfico, 
inda mal rompera o dia 
foi ver a fuzilaria 
o repórter fotográfico. 
Vá lá, vá lá, felizmente, 
felizmente que ao chegar 
inda havia muita gente 
que estava por fuzilar. 
Numa ridente campina 
de papoilas salpicada, 
um sol de lâmina fina 
cortava a densa neblina 
da metralha disparada. 
Berrando como vitelos 
a malta dos condenados 
avançava aos atropelos 
e arrepanhava os cabelos 
com gestos alucinados. 
O repórter já suava, 
não tinha mãos a medir; 
ora a máquina carregava, 
apontava e disparava, 
ora no chão se agachava, 
pulava e gesticulava 
com afanosa presteza. 
Há empregos, com franqueza, 
nem haviam de existir.
A um tipo de mãos nojentas 
que aos berros sobressaía 
gritando frases violentas, 
focou-o mesmo nas ventas 
no momento em que caía. 
Mas o melhor não foi isso.
O melhor foi uma velhota 
que pôs tudo em rebuliço. 
Rápida como um rastilho, 
em convulsivos soluços, 
foi estatelar-se de bruços 
sobre o corpo do seu filho. 
«Meu menino, meu menino! 
Valha-me a Virgem Maria! 
Que vai ser o meu destino 
sem a tua companhia?! 
Mataram-me o meu menino! 
Filho do meu coração! 
Que vai ser o meu destino 
sem a tua protecção?!» 
Nunca uma cena de horror, 
Uma tragédia tão viva, 
tão grande e expressiva dor, 
alguém teve ao seu dispor 
defronte duma objectiva. 
Era uma face crispada, 
um olhar perdido e louco, 
uma boca de xarroco 
em lágrimas ensopada. 
Foi uma sorte, realmente. 
Um desses casos notáveis, 
bestiais e formidáveis 
que acontecem raramente. 
Aquelas faces crispadas 
correram pelo mundo inteiro 
nas revistas ilustradas, 
em tiragens esgotadas 
que deram muito dinheiro. 
Com aquele sentido humano 
da justiça e da harmonia, 
o repórter todo ufano, 
ganhou o prémio do ano 
da melhor fotografia. 
António Gedeão “Máquina de fogo”, 1961