“Don Luis não
tardou a chegar. Ouvi o seu carro alguns instantes mais tarde e ele entrou
acompanhado por dois homens: um que se dizia mexicano, de quem me vinguei mais
tarde em Portugal, e outro de que já não me lembro.
Não
sei durante quanto tempo ficámos todos imóveis – julgava tê-los presos com os
meus olhos –; o mexicano ria-se, os outros permaneciam petrificados. Foi Don
Luis, creio, que finalmente rompeu o encanto. Como a minha atenção tivesse
diminuído momentaneamente, José e Mercedes lançaram-se sobre mim e
arrastaram-me para fora do quarto. Seguiu-se então meia hora infernal: eu
segurava José e Mercedes pelas mãos e já não conseguia larga-los, estávamos
colados uns aos outros por uma força dominadora, ninguém podia falar nem
mexer-se. Por meio de um violento sobressalto da vontade, consegui soltar as
mãos das deles; toda a gente se pôs então a falar com uma rapidez terrível. Se
eu pegava nas mãos deles, o silêncio reinava imediatamente e os olhares ficavam
novamente pregados uns aos outros; isto durou talvez várias horas. Isto era
para mim o resultado duma brincadeira infernal de Don Luis provando-me que, se
eu quisesse ligar-me ou fraternizar com José e Mercedes, seríamos ligados
fisicamente como irmãos siameses, e que, no caso contrário, o seu próprio poder
reapossar-se-ia de mim para me destruir.
O
dia seguinte era sem dúvida domingo, pois ainda ouço o som dos sinos vindo do
exterior e os ruídos de passos de cavalos que me deram uma terrível nostalgia e
o desejo de fugir. Parecia-me impossível comunicar com o mundo exterior e
perguntava-me quem quereria ajudar uma pessoa, vestida com um lençol e munida
dum lápis, a chegar a Madrid.”
Leonora Carrington, “Em Baixo”,
pp.30-31, Black Sun Editores, Lx, 1990.
Trad. (Carlos Leite)