PORQUINHO-DA-ÍNDIA
Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos, mais limpinhos,
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...
- O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.
Manuel Bandeira, "Antologia Poética ", pág. 64, Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1981.
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20/01/2020
16/01/2020
...
PNEUMOTÓRAX
Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
- Diga trinta e três.
- Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
- Respire.
.....................................................................
- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo
e o pulmão direito infiltrado.
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumo-
tórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango
argentino.
Manuel Bandeira, "Antologia Poética", pp. 62-63, Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1981.
Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
- Diga trinta e três.
- Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
- Respire.
.....................................................................
- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo
e o pulmão direito infiltrado.
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumo-
tórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango
argentino.
Manuel Bandeira, "Antologia Poética", pp. 62-63, Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1981.
25/06/2015
«PROFUNDAMENTE»...
Quando ontem
adormeci
Na noite de São
João
Havia alegria e
rumor
Estrondos de bombas
luzes de Bengala
Vozes cantigas e
risos
Ao pé das fogueiras
acesas.
No meio da noite
despertei
Não ouvi mais vozes
nem risos
Apenas balões
Passavam errantes
Silenciosamente
Apenas de vez em
quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que
há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras
acesas?
– Estavam todos
dormindo
Estavam todos
deitados
Dormindo
Profundamente
Quando eu tinha seis
anos
Não pude ver o fim
da festa de São João
Porque adormeci
Hoje não ouço mais
as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos
êles?
– Estão todos
dormindo
Estão todos
deitados
Dormindo
Profundamente.
Manuel
Bandeira, “Poesias e Prosa”, págs. 210-211, vol. I, Editôra
José Aguilar, Lda., Rio de Janeiro, 1958.
22/05/2015
Um 'bestiário' de Manuel Bandeira...
CHAMBRE VIDE
Petit chat blanc et
gris
Reste encore dans la
chambre
La nuit est si noire
dehors
Et le silence pèse
Ce soir je crains la
nuit
Petit chat frère du
silence
Reste encore
Reste auprès de moi
Petit chat blanc et
gris
Petit chat
La nuit pèse
Il n'y a pas de
papillons de nuit
Où sont donc ces
bêtes?
Les mouches dorment
sur le fil de l'électricité
Je suis trop seul
vivant dans cette chambre
Petit chat frère du
silence
Reste à mes côtés
Car il faut que je
sente la vie auprès de moi
Et c'est toi qui
fais que la chambre n'est pas vide
Petit chat blanc et
gris
Reste dans la chambre
Eveillé minutieux
et lucide
Petit chat blanc et
gris
Petit chat.
Petrópolis, 1992.
Manuel Bandeira,
Obras Poéticas, 1ªed. Editorial Minerva, p.206, Lisboa, 1956.
ANDORINHA
Andorinha lá fora
está dizendo:
– «Passei o dia à
toa, à toa!»
Andorinha,
andorinha, minha cantiga é mais triste!
Passei a vida à toa,
à toa...
Manuel Bandeira,
Obras Poéticas, 1ªed. Editorial Minerva, p.227, Lisboa, 1956.
MADRIGAL TÃO
ENGRAÇADINHO
Teresa, você é a
coisa mais bonita que eu vi até hoje
na minha vida,
inclusive o porquinho-da-Índia que
me deram quando eu
tinha seis anos.
Manuel Bandeira,
Obras Poéticas, 1ªed. Editorial Minerva, p.230, Lisboa, 1956.
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