“Queremos ser realmente
livres? Não
teremos talvez inventado Deus para não termos de ser livres? Perante
Deus, todos somos devedores em falta. Mas a dívida (die
Schuld)
elimina a liberdade. Hoje os políticos acusam o endividamento como
causa que limita em enorme medida a sua liberdade de acção. Se
estivermos livres da dívida, quer dizer, se formos plenamente
livres, teremos de agir
deveras. É até possível que nos endividemos permanentemente para
não termos de agir – quer dizer para não termos de ser livres
nem responsáveis.
Não serão talvez as dívidas elevadas uma prova de que não temos
em nosso poder ser livres? Não será o capital um novo
Deus que nos torna
de novo devedores em falta? Walter Benjamin concebe o capitalismo
como uma religião. Trata-se do “primeiro caso de um culto que não
é expiatório, mas culpabilizante”. O estado de falta de liberdade
perpetua-se porque não é possível liquidar as dívidas: “Uma
terrível consciência de culpa que não sabe como expiar-se, recorre
ao culto, não para expiar a culpa, mas para a tornar universal”.”
Byung-Chul Han,
“Psicopolítica”, pág. 17, Relógio D’Água, Lisboa, 2015.
“ De início, saudou-se a
rede digital como um meio de liberdade ilimitada. O primeiro
slogan publicitário
da Microsoft – Where
do you want to go today?
– sugeria uma liberdade e uma mobilidade ilimitadas na web.
Ora, esta euforia dos primeiros tempos revela-se hoje uma ilusão. A
liberdade e a comunicação ilimitadas transformam-se em controle e
vigilância totais. Também os meios de comunicação sociais são
cada vez mais equiparados a pan-óticos
digitais que vigiam e exploram impiedosamente o social. Mal acabamos
de nos libertar do pan-ótico disciplinar, eis que entramos num
outro, novo e ainda mais eficaz.
Os reclusos do pan-ótico
benthamiano eram isolados com intuitos disciplinares e não se lhes
permitia que falassem com os outros. Os residentes do pan-ótico
digital, em contrapartida, comunicam intensamente uns com os outros e
expõem-se por sua iniciativa. Participam activamente na construção
do pan-ótico digital. A sociedade do controle digital procede a um
uso intensivo da liberdade. Só é possível graças a uma exibição
e uma exposição próprias de carácter voluntário. O Big
Brother digital trespassa o seu trabalho aos reclusos.
Assim, a transmissão dos dados não ocorre devido à coacção, mas
por necessidade interior. Tal é a eficácia do pan-ótico.”
Byung-Chul Han,
“Psicopolítica”, pág. 18, Relógio D’Água, Lisboa, 2015.
“O neoliberalismo transforma
o cidadão em consumidor. A liberdade do cidadão cede ante a
passividade do consumidor. O votante, enquanto consumidor, não tem
um interesse real pela política, pela configuração ativa da
comunidade. Não está disposto nem capacitado para a ação política
comum. Limita-se a reagir de forma passiva à política,
protestando e queixando-se, do mesmo modo que o consumidor perante as
mercadorias e os serviços que lhe desagradam. Os políticos e os
partidos também seguem esta lógica do consumo. Têm de fornecer.
É assim que se degradam em fornecedores que têm de satisfazer os
votantes enquanto consumidores ou clientes. (..) A reivindicação da
transparência pressupõe a posição de um espectador que se
escandaliza. Não é a reivindicação de um cidadão com iniciativa,
mas de um espectador passivo.”
Byung-Chul Han,
“Psicopolítica”, pp. 19-20, Relógio D’Água, Lisboa, 2015.
“Todos os dispositivos e
todas as técnicas de dominação engendram objetos de devoção que
são introduzidos tendo em vista submeter. Que materializam e
estabilizam a dominação. “Devoto” significa “submisso”. O
smartphone é um objecto digital de devoção, ou até mesmo
um objecto de devoção do digital em geral. Enquanto aparelho
de subjetivação funciona como o rosário, que é também, no seu
manejo, uma espécie de telemóvel. Um e outro servem para o exame e
o controle de si. A dominação aumenta a sua eficácia ao delegar em
cada um a sua vigilância. O Gosto é o ámen digital. Quando
clicamos no Gosto, submetemo-nos a uma estrutura de dominação.
O smartphone é não só um aparelho de vigilância eficaz,
mas também um confessionário móvel. O Facebook é a igreja,
a sinagoga global (literalmente, a congregação) do digital.”
Byung-Chul Han,
“Psicopolítica”, pp. 21-2, Relógio D’Água, Lisboa, 2015.