«Não
consigo calar o desabafo. Talvez pelo sentimento que perpassa de guerra
perdida. Hoje, lá foram mais uma vez, moradores que ainda vão
resistindo, cada vez com mais baixas, na denominada zona de(s)marcada da
movida, sempre em expansão, com os estabelecimentos de animação
nocturna a tomar conta do centro do Porto.
Reclamações
de treze anos sobre o ruído noturno, a limpeza e o estacionamento, que
tornaram a vida destas pessoas num inferno. A Indiferença com que hoje
as suas queixas são ouvidas, quer pelos poderes municipais, quer pelos
poderes mediáticos, mostra bem a escolha que há muito se fez, de
transformar o centro da cidade num enorme bar/discoteca a céu aberto,
aliás um modelo desenvolvimento da cidade assente nisso e na monocultura
do turismo. Os moradores existentes eram por isso um estorvo. No espaço
de uma década deu-se mais uma machadada, talvez derradeira, na
identidade da cidade. Os milhares que aqui viviam foram paulatinamente
desaparecendo no mesmo rácio em que aumentava o número de bares,
discotecas e outros espaços de denominação difícil, que vendem bebidas
para rua.
Os
milhares, entre a desistência e a lei da vida, a morte, foram
transformando-se em centenas, cada vez contando menos, hoje cada vez
menos ainda, entre o nada fazer ou fingir fazer dos poderes públicos.
Este processo de expulsão e não renovação do tecido residente, é de
facto a última das grandes migrações e expulsões das gentes da cidade,
depois das expulsões das gentes da zona ribeirinha para a periferia da
cidade, para bairros sociais e mesmo para fora cidade, nomeadamente para
Gondomar e Gaia.
Com
ela também foi o pequeno comércio tradicional, os artesãos e os
serviços de proximidade de apoio às famílias, com as rendas a
tornarem-se insustentáveis e base residente em erosão e a envelhecer. O
centro da cidade transforma-se num deserto de residentes, numa enorme
Santa Catarina, onde ninguém lá vive, com a diferença que a rua vazia é
transformado em tráfego humano noctívago, muito dele importado.
A
manhã guarda os despojos das noites em ruas desertas de
estabelecimentos abertos, aguardando o entardecer. Este é o
cosmopolitismo pós-moderno, que domina quem governa a cidade, com desdém
pelas gentes e origens da cidade que deram alma ao Porto, invicta.
Pseudo modernidade, serôdia, com q.b. de provincianismo, que faz
desaparecer o Porto que conhecemos, deixando apenas memória e vestígios
arqueológicos, algum património cultural e polvilhos de cultura, a dar
nome aos eventos de encher o olho e h(á) festa. Os holofotes cegam, até a
comunicação social domesticada. Resta a impunidade.
A
cidade como a conhecemos vai morrendo. A dita modernidade faz-se contra
o passado, as suas gentes, a sua identidade, aquilo que a diferencia. O
plástico gourmet toma conta. O Porto morre entre o fantasma de vida.
Mas há festa. Muita festa. E Eles continuam a dançar. Seremos todos
espectadores desta dança? Até quando?»
Pedro Carvalho
Vereador na CMP