“Na casa ao lado era a corte da
cabrada. Diante deles os cabritinhos abstiveram-se de tocar nos úberos maternos
por discreção ou natural reserva, em contra dos cordeiros. Mas aproximaram-se
de Luzia a lamber-lhe a fímbria da saia com a língua vermelha e estreita como malagueta
enquanto outros olhavam para ela estarrecidos. Ao cabo dum instante, porém,
familiarizados, romperam a todo o largo do estábulo em saltos e gambérrias de
acrobatas incipientes. E eram encantadores como figuras de presépio com o seu
pelame às malhas, o rabito alado, os botins luzentes, e no focinho um ar de
esperteza e graça.
– Êstes bichinhos são os meus
amores – disse ela. – Compreende-se o apêgo dos poetas antigos à vida pastoril.
Na criação há lá nada mais vivo, diabólico, dinâmico que um chibato? Repare
como são mais interessantes que os meninos embrutecidos por séculos de
civilização, que acima de tudo tem o efeito de destruir no instinto, tenaz e
sistemàticamente, o que possui de belo e autónomo. Não se sujam, não trazem
ranho, não contraem doenças, não precisam de parteiras nem de médicos. Onde o
espírito chegou… estragou...”
Aquilino
Ribeiro, “Quando Ao Gavião Cai a
Pena”, pp. 31-2, Livraria Bertrand, Lisboa, s/d.