SERRADURA
A minha vida
sentou-se
E não há quem a
levante,
Que desde o Poente
ao Levante
A minha vida
fartou-se.
E ei-la, a môna, lá
está,
Estendida, a perna
traçada,
No infindável sofá
Da minha Alma
estofada.
Pois é assim: a
minha Alma,
Outrora a sonhar de
Rússias,
Espapaçou-se de
calma,
E hoje só sonha
pelúcias.
Vai aos Cafés, pede
um bock,
Lê o «Matin»
de castigo,
E
não há nenhum remoque
Que
a regresse ao Oiro antigo.
Dentro
de mim é um fardo
Que
não pesa, mas que maça:
O
zumbido de um moscardo,
Ou
comichão que não passa;
Folhetim
da «Capital»
Pelo
nosso Júlio Dantas,
Ou
qualquer coisa entre tantas
De
uma antipatía igual...
O
raio já bebe vinho,
Coisa
que nunca fazia,
E
fuma o seu cigarrinho
Em
plena burocracia...
Qualquer
dia, pela certa,
quando
eu mal me precate
é
capaz de um disparate
Se
encontra uma porta aberta...
Isto
assim não pode ser...
Mas
como achar um remédio?
– P'ra
acabar êste intermédio
Lembrei-me
de endoidecer.
O
que era fácil – partindo
Os
móveis do meu hotel,
Ou
para a rua saindo,
De
barrete de papel,
A
gritar Viva a
Alemanha!...
Mas
a minha alma em verdade
Não
merece tal façanha,
Tal
prova de lealdade.
Vou
deixá-la – decidido –
No
lavabo de um Café
Como
um anel esquecido,
É
um fim mais «raffiné»
Paris,
Setembro de 1915.
MÁRIO
DE SÁ-CARNEIRO
in
“Sudoeste”, nº 3. Lisboa: Nov. 1935