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10/04/2014
Ainda do "Os Gregos"...
“(…) De um século recente, vou alinhar ao acaso os seguintes nomes: HAYDN, MOZART, BEETHOVEN, GOETHE, SCHUBERT, MENDELSSOHN, WORDSWORTH, COLERIDGE, KEATS, SHELLEY. Agora uma lista de nomes comparável, mas de um século grego: ÉSQUILO, SÓFOCLES, EURÍPEDES, ARISTÓFANES, SÓCRATES, PLATÃO, ISÓCRATES, GÓRGIAS, PROTÁGORAS, XENOFONTE. As idades com que morreram os componentes da primeira lista, são respectivamente: 77, 35, 57, 83, 31, 38, 80, 62, 26, 30; da segunda: 71, 91, 78, pelo menos 60, 70, 87, 98, 95(?), cerca de 70, 76. SHELLEY é claro, morreu afogado; mas ÉSQUILO e EURÍPEDES (provàvelmente) morreram ambos de desastre, SOCRATES foi executado e PROTÁGORAS morreu num naufrágio; os três poetas trágicos estavam em plena actividade e ainda no mais alto esplendor do seu génio quando morreram (o que ninguém afirmaria de WORDSWORTH), e a morte interrompeu PLATÃO quando escrevia «As Leis». Se alguém que se interessa pelo assunto quiser ler a interessante obra de DIÓGENES LAÉRCIO, Vidas dos Filósofos, ficará assombrado com o grau de longevidade geral. É claro que algumas datas são lendárias; ninguém vai acreditar que EMPÉDOCLES viveu de facto até aos 150 anos; mas, de qualquer maneira, trata-se de uma figura que não chega a ser histórica. Não há razão nenhuma para duvidar da exactidão de muitos dos números apontados. Está demonstrado que a Grécia favorecia não só uma longa vida, mas também uma vigorosa energia. Ao lado de SÓFOCLES, a escrever o seu magnífico «Édipo em Colono» aos 90 anos, podemos colocar a figura de AGESILAU, rei de Esparta, que não se limitava a comandar, ia ele próprio combater para o campo de batalha, com 80 anos. O vigor em idades avançadas parece ter sido mais alto na Grécia do que em qualquer país moderno, pelo menos até há bem pouco tempo.”
H. D. F. Kitto, “Os Gregos”, pp. 56-57, Arménio Amado Editora, Coimbra, 1990.
02/04/2014
Da liberdade...
Mas eleutheria – da qual, «liberdade» é uma tradução muito incompleta, – era muito mais do que isto, embora isto já seja muito. A escravidão e o despotismo são coisas que mutilam a alma, porque, como diz HOMERO: «Zeus retira ao homem metade da sua humanidade, no dia em que a escravidão dele se apodera». O hábito oriental da obediência espantava os gregos, porque não era eleutheron; aos seus olhos, constituía uma afronta à dignidade humana. Mesmo aos deuses, os Gregos oravam como homens, erectos, embora conhecessem como ninguém a diferença entre o humano e o divino. Sabiam muito bem que não eram deuses, mas sabiam que eram pelo menos, homens; e que os deuses não demoravam a abater sem piedade os que tentavam imitar a divindade, e que, de todas as qualidades dos homens, gostavam sobretudo da modéstia e do respeito. Contudo, tinham presente que deuses e homens tinham uma origem semelhante: «Uma só é a raça dos deuses e dos homens; a mesma mãe[1] nos deu respiração. Contudo, são diferentes os nossos poderes. Porque nós não somos nada, mas para eles existe sempre o brônzeo céu, sua morada segura». Assim fala PÍNDARO num belo passo, por vezes mal traduzido por especialistas que tinham a obrigação de saber mais, e o fazem significar: «Uma coisa é a raça dos deuses, outra coisa a raça dos homens». O que PÍNDARO quer frisar com este passo é a dignidade e a fraqueza do homem; e esta é, no fundo, a fonte trágica que se estende através de toda a literatura grega clássica. E foi esta consciência da dignidade de ser homem que deu tanta coacção e intensidade à palavra que nós impropriamente traduzimos por «liberdade».
H. D. F. Kitto, “Os Gregos”, pp. 16-17, Arménio Amado Editora, 3ªed., Coimbra, 1990. Tradução de José Manuel Coutinho e Castro
[1] A Terra-Mãe.
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