"Onde bate mais
certa a crítica à personalidade poética é na atribuição aos poetas de um
orgulho por vezes insolente. Desconfiai da modéstia e não os acompanhais na
auto-crítica. A auto-crítica dum poeta (e porque não de qualquer criador?) é o
reconhecimento por ele próprio de que é capaz de fazer melhor – só isso às
vezes – mas quando parte dum homem superior e esse reconhecimento é portanto
fundado, que censura nos pode merecer? Não é o aperfeiçoamento consciente a condição
duma vida bem cheia?
As ideias
saíram embaciadas em halos que pareciam resplendores de santos e hoje são
nevoeiros baços, a forma mal apropriada, palavras debatendo-se com ideias. Que
fazer? Escolho e glória da Poesia! Técnica, ou espantalho a meter medo aos tímidos,
técnica ou adorno de que se pode passar, sem falta de dignidade e grandeza para
os verdadeiros criadores de formas sem técnica. «Exprimir eis a palavra mágica (que aliás nada explica)», diz
Casais Monteiro no seu ensaio «A
Realidade Poética». Mais adiante no mesmo ensaio lê-se: «O Poeta ignora. E este ignorar é a chave do
seu mais íntimo saber». Mas ignora o quê? Afinal se de facto ignora, se cria seja o que for, a menos que
se considerasse inconsciente, advinha ou recorda, mas antes – advinha – pois não pode recordar se ignora. É pois um símbolo de um símbolo
a citação de Baudelaire que se nos depara mais adiante no mesmo ensaio: «J’ai
de souvenirs comme si j’avais mille ans».
Vulgarmente
entende-se por poesia, em sentido lato, quer como substantivo quer na forma
adjectivante, qualquer coisa de vago que não se pode explicar bem por palavras
e em sentido restrito uma peça pertencente a uma das grandes divisões dos
géneros literários, escrita numa forma especial: em verso.
Poesia em
sentido lato não é mesmo nada de vago porque tem por objecto coisas que existem
embora recém-criadas; a confusão está exactamente em que ele opera sobre dados
recém-aparecidos por inexistentes anteriormente.
Poesia no
sentido restrito a que nos referimos não é mais do que um conjunto de versos e
estes um conjunto de palavras (ou uma palavra ou mesmo um certo número de
palavras e parte duma, com se vê numa cantiga de D. Diniz e num poema de
António Feijó) com um determinado número de sílabas com determinados pontos do
percurso fonético acentuados (um dos caracteres da «musicalidade»), e dizem
ainda os mais cautos: formando sentido."
José Blanc de
Portugal, “Poeta e poesia”, in
Cadernos de Poesia, 2, pp.38-40, 1940.