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11/12/2012
Sísifos...
6. NOITINHA
Seca a saliva à boca do dia, seca,
nem para colares um selo no postal a tua mãe
e o pó colado às unhas e aos olhos
como o amargor à pele da memória.
Subimos-e-descemos a montanha
carregando às costas a pedra e a morte
sob a injúria e o chicote,
cantámos a água e a pedra,
a vida e a morte – acostumámo-nos,
minorou o infortúnio,
até mesmo a raiva minorou,
somente a determinação não minorou.
Por entre a picareta e a pá da noite
repousam os camaradas
com os dentes cerrados,
com o punho por travesseiro.
Giánnis Ritsos, “Antologia”, ed. Fora do Texto, pág.63, Coimbra, 1993
Tradução de Custódio Magueijo
27/11/2012
[ALFA, BETA, GAMA]..
24. α. β. γ
[ALFA, BETA, GAMA]
Três grandes letras
escritas a cal na rochosa-ossatura de Macrónissos.
(Quando chegámos de barco
encurralados entre mochilas e os nossos temores
líamo-las do alto da coberta
sob as injúrias do guarda, líamo-las
naquela serena manhã de Julho,
e a maresia e o perfume do orégão e o tomilho
não entendiam mesmo o que significavam estas três letras de
cal).
α – 1º Batalhão
β – 2º Batalhão
γ – 3º Batalhão
MACRÓNISSOS
E o mar Egeu era azul como sempre
muito azul, só azul
α –
Ah! sim, falávamos por vezes duma poesia egeopelágica,
β –
do peito nu da saúde bordado como uma âncora e uma górgona,
γ –
da luz marinha que tece os cortinados das gaivotas
α. β. γ.
300 mortos.
Falávamos, sim, duma poesia egeopelágica –
e o caranguejo que sonha na húmida rocha,
de caras com o doirado poente,
como uma pequena estátua de bronze do Oceano
α. β. γ.
600 loucos.
(Os vítreos camarões perseguindo nos vaus a sombra de
estrelas matutinas
o doirado e azul estio apedrejando com pinhões a sesta das
raparigas,
os velhos pinheiros arranhando sua copa na caiada cerca).
α. β. γ.
900 coxos.
Viva
o rei Pavlos.
(E a Virgem do mar bronzeada pelo crepúsculo
a deambular descalça no areal
arrumando as casas dos pequenos peixes
pregando com uma estrela-do-mar sua trança de-luar).
α. β. γ.
α. β. γ.
(Falávamos duma poesia egeopelágica, sim, sim).
MACRÓNISSOS –
MACRÓNISSOS – MACRÓNISSOS
E o mar continua azul como sempre
e a esquadra americana percorre o Egeu
serena, serena, bela
e as estrelas acendem todas as noites pequenas fogueiras
para que os Anjos cozinhem a sopa-de-peixe da Virgem.
α. β. γ.
α. β. γ
E por sob as estrelas passam
barcos-e-barcos de deportados;
e de sacos com pernas cortadas
e de sacos com braços cortados
e de sacos com mortos
fervilham as ondas nas praias do Lávrio.
(Egeopelágica paisagem
doirada e azul)
α. β. γ.
Nestas fragas foram fuzilados os 300 do 1º Batalhão,
estes sargaços são uma madeixa de cabelos arrancados com a
pele
do crânio dum camarada que se recusou a assinar a declaração
α. β. γ.
Os aramados
Os mortos
Os loucos
α. β. γ.
(Azul, o mar – muito azul.
Doirada egeopelágica paisagem.
As gaivotas).
α. β. γ.
Negro, todo-negro mar
negra, toda-negra paisagem.
Os aramados.
α. β. γ.
Negra, toda negra paisagem de cerrados dentes,
vermelha, toda-vermelha paisagem de cerrado punho,
negro e vermelho coração coalhado em seu sangue
e um sol vermelho coalhado dentro do seu sangue.
α. β. γ.
Os aramados.
As guaritas, negras dentro da noite.
E as vozes das guaritas, negras toda a noite:
ALTO – ALTO
QUEM VEM LÁ?
QUEM VEM LÁ?
QUEM VEM LÁ?
OS COXOS
OS MANETAS
OS CEGOS
OS LOUCOS
OS MORTOS
ALTO – ALTO
ALTO
QUEM VEM LÁ?
OS MORTOS
OS MORTOS
Voltam atrás em busca do pão que não comeram.
Em busca do sol que lhes roubaram.
Em busca da vida que lhes cortaram.
ALTO – ALTO
das guaritas da noite
toda a noite
ALTO
– QUEM VEM LÁ?
– OS MORTOS.
– QUEM VEM LÁ?
– OS LOUCOS.
– QUEM VEM LÁ?
– NÓS.
ALTO – ALTO – ALTO.
NÃO PÁRAM
Os mortos buscam a sua vida.
Os loucos buscam o seu sol.
Os coxos buscam as suas pernas.
Os cegos buscam os seus olhos.
Todos buscam a sua liberdade.
α. β. γ.
Pelo princípio aprendemos o alfabeto.
Pelo princípio aprendemos o medo e a dor.
Pelo princípio aprendemos a vida e a morte.
α. β. γ.
α. β. γ.
α. β. γ.
E agora que aprendemos, camaradas, a morrer
aprendemos também a viver, camaradas.
A liberdade está próxima.
α. β. γ.
SOL
α. β. γ.
LIBERDADE
α. β. γ.
Alfa-beta – Em frente, em frente.
Giánnis Ritsos, “Antologia”, ed. Fora do Texto, pp.81-87,
Coimbra, 1993
Tradução de Custódio Magueijo
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