RAPHAEL
Quando Juvêncio apareceu
Mascava uma raiz de pobreza coisa que serve!
E cuspia dentro de casa o amargo em nós.
Na trouxa
Trouxe Raphael.
Raphael não era o pintor
Nem o anjo de Raphael.
Ponhamos que fosse um anjo
O anjo de sua mãe.
Petrônia descia lavandeira
Pro corgo.
Juvêncio curava gado bicheiras
Raphael era um pouquinho miserável
Tal como a sua idade o permitia.
À noite vinha uma cobra diz-que
Botava o rabo na boca do anjo
E mamava no peito de Petrônia.
Juvêncio acariciava o ofídio
Pensando fossem os braços roliços da mulher.
Petrônia tinha estremecimentos doces
Bem bom.
Cenário de luar. Segundo ato.
Papagaio louro de bico dourado estava com fome
Desceu das folhas verdes
Ou verdes folhas conforme apreciais melhor
E começou a roer um naco
Um naco da testinha tenra
De Raphael.
Havia estrelas no céu
Suficientes para o poeta mais de romântico possível
E eu poderia colocar outras peças
Muitas, além de estrelas. Porém.
Sou um pobre narrador menso
Fosse isto uma Grécia de Péricles, não vê
Que deixava passar este canto
Sem de hexâmetros entrar!
Mandava vir cítaras e eólicas harpas
Convocava
Anjos de bundas redondas e troços do fundo do mar.
Porém.
De resto
Juvêncio não é um herói
Raphael não tem mãe Clitemnestra
E nenhuma cidade disputará a glória de me haver dado à luz.
Falo da vida de um menino do mato sem importância.
Isto não tem importância.
Manoel de Barros, "Poemas Concebidos Sem Pecado" in "Poesia Completa", pp. 35-37, Editorial Caminho, 2010.
Auguste Roquemont
Há 13 horas