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21/10/2012

Café Com Vivo...


OS TEMPOS NÃO

Os tempos não vão bons para nós, os mortos.
Fala-se demais nestes tempos (inclusivé cala-se).
As palavras esmagam-se entre o silêncio
que as cerca e o silêncio que transportam.

É pelo hálito que te conheço  no entanto
o mesmo escultor modelou os teus ouvidos
e a minha voz, agora silenciosa porque nestes tempos
fala-se demais são tempos de poucas palavras.

Falo contigo demais assim me calo e porque
te pertence esta gramática assim te falta
e eis por que todos temos a perder e por que é
cada vez mais pesada a paz dos cemitérios.

Manuel António Pina in ‘ Ainda Não É O Fim Nem O Princípio Do Mundo Calma É Apenas Um Pouco Tarde’, p.11, 2ªed., ed. A Erva Daninha, 1982.

04/04/2012

Queixu-me...

A conspiração ortográfica

Publicado em 2012-04-02

Ainda não vi ninguém queixar-se (e, que diabo!, não acredito que seja só eu o eleito e o escolhido): fui atacado por um "hacker" anónimo ao serviço da Kultura e do dr. Malaca Casteleiro e, em silêncio, sem aviso, o meu Word adoptou o celerado Acordo Ortográfico. Mesmo agora acaba de sublinhar a vermelho a palavra "adoptou" (e voltou a fazê-lo!)
Não tenho conhecimentos de informática nem tempo para tentar desactivar (outra vez!) no corrector (de novo!) ortográfico o cavalo de Troia nele alojado não sei por que sinistro Torquemada linguístico, e irrita-me saber que alguém vigia o modo como escrevo pois, a seguir a isso, há-de vir também a vigilância sobre aquilo que escrevo. (O biltre sublinhou o "há-de" a vermelho; só falta notificar-me, como nas cartas de condução, de que já cometi x ou y infracções (outra vez!) ortográficas graves e de que ficarei impedido de escrever durante um mês ou, sabe-se lá, para sempre). Que fazer? A quem pedir satisfações? Ao Windows Update? Ao dr. Miguel Relvas? Ao SIS? À Loja Mozart?
Por que obscura porta se terá infiltrado a Coisa no meu computador? Poderá entrar igualmente pela minha consciência e pela minha vontade dentro, censurando a vermelho o que penso e o que quero como censura o que escrevo? Já pensei voltar a escrever à mão, mas temo que até esferográficas e lápis tenham já sido programados pelo dr. Casteleiro para não me deixarem escrever consoantes mudas.

22/07/2010

Por causa de um inquérito que confirma o meu espírito estruturalmente desobediente - lembrei-me deste poema

DESTA MANEIRA FALOU ULISSES...

Falo por mim, e por ti me calo
De modo que fica tudo entre nós
Literatura que faço, me fazes
ó palavras! - mas eu onde estou ou quem?

É isto falar, caminhar? ("Ως ἐραὺ) - Volto
para casa para a pátria pura página
interior onde a voz dorme o
seu sono que as larvas povoam

Aí, no fundo da morte, se celebram
as chamadas núpcias literárias, o encontro do
escritor com o seu silêncio. Escrevo para casa
Conto estas aventuras extraordinárias

Manuel António Pina in "Ainda Não é o Fim / Nem o Princípio do Mundo /Calma / É Apenas um Pouco Tarde" ed. Erva Daninha, p.23, 1982, Porto.