António Gancho, (1940? - 2006) |
CONSTELAÇÃO VEGA
E tinhas o brilho duma estrela gravado pelo peito
como se fosse uma tua tatuagem de luz
era um olho amarelo que te brilhava no peito
no sítio onde o esterno é metade.
Isso era a sapiência do teu tórax todo feito luz
era precisamente a sapiência dos teus pulmões
a explorarem fogo por fora do peito
e tinhas o brilho da constelação de Vega
gravado pelo peito todo
feito por que mulher não sei e não sei em que praia
porque é na praia que as tatuagens se iluminam ainda mais
ao brilho do iodo que do Sol desce
e cobre as pestanas do peito que são os cabelos.
Tinhas uma estrela de luz gravada no meio do esterno
reconheço-te a pousada da mesma o sítio onde ela se põe
e o teu peito era gruta.
Se imagino um presépio abre-se-te a cova da garganta
que da garganta te vai
até onde o dito começa
e onde o fluxo da luz da dita inundaria depois
a dimensão do teu presépio
a dimensão do teu presépio virado para o Norte
ao confronto da Estrela Polar
que de noite viria escrever pela sua própria mão
o nome dela por cima dos bicos da tua.
Fusão da fusão, cíproco do recíproco
a tua que de estrela seria depois Polar
nos indicaria depois o caminho dos Celtas
o caminho do Norte e da Inglaterra de Ricardo
e então uma cruzada nasceria na imaginação do teu peito
uma cruzada para pôr em bico de guerra
a glava do princípio do teu esterno.
Se imagino a recuperação do túmulo
nasce-te um milagre
no sítio da tábua do dito
há uma aparição no sítio da mesma tábua.
Lázaro vem nu
se traz a Bíblia na mão é o começo dos Evangelhos.
Vê-se João no sítio do horizonte
onde o Sol põe cobre por cima da cabeça do apóstolo
nasce a Bíblia na mão do Sol
e então o astro ensina à galáxia
o sentido que o homem tem.
Tem um galo nas costas e não vê
Adão que não acorda ao sentido do corpo da cobra.
António Gancho in “Edoi Lelia Doura – antologia das vozes comunicantes da poesia moderna portuguesa”, Org. Herberto Helder, Assírio e Alvim, pp. 302-303, Lisboa, 1985.
MÚSICA
A música vinha duma mansidão de consciência
era como que uma cadeira sentada sem
um não falar de coisa alguma com a palavra por baixo
nada fazia prever que o vento fosse de azul para cima
e que a pose uma nostalgia de movimento deambulante
era-se como se tudo por cima duma vontade de fazer uma asa
nós não movimentamos o espaço mas a vida erege a cifra
constrói por dentro um vocábulo sem se saber
como o que será
era um sinal que vinha duma atmosfera simplificante
silêncio como um pássaro caído a falar do comprimento.
António Gancho in “Edoi Lelia Doura – antologia das vozes comunicantes da poesia moderna portuguesa”, Org. Herberto Helder, Assírio e Alvim, p. 307, Lisboa, 1985.
António Gancho, "As Dioptrias de Elisa", Assírio e Alvim |
António Gancho, "O Ar da Manhã ", Assírio e Alvim |
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