“Fazem-me
perguntas e não posso senão dizer a que ponto todos os homens me
parecem fantoches, a que ponto me espanto por ver a vida continuar, e
não posso senão dizer que os suicidas são para mim os únicos
mortos, os únicos verdadeiramente respeitados. Sobre mim desabam
logo interrogações severas. Que diabo espero eu, nesse caso? E é
verdade. É verdade que não me matei. O facto aliás nota-se à
légua. A qualquer hora do dia se o pode verificar. O infame mais
rasca está até em condições de me pôr a mão em cima e desatar a
rir. Está certo, não me matei. Mas que prazer podem voçês sentir
ante essa observação tão deprimente? Pois estou, estou vivo. Como
outro qualquer. Não o digo para me desculpar. Não me matei e se o
não fiz não foi por não ter pensado nisso. Anda há bocado. Olhe,
dizia eu para comigo, seria coisa duma simplicidade infantil. Punha
logo a andar uma data de ideias. E ainda por cima a única testemunha
do que isso comporta até sou eu. Não me matei e tudo isso se desfaz
num escárnio esmagador. Caríssima mó, não me desandes agora da
cabeça. Que estava a dizer? Ah, pois. Dentre todas as ideias a do
suicídio é afinal a que distrai melhor um homem. Mas dito isto,
vamos lá, silêncio. Matem-se, ou então não se matem. Mas não
andem praí a arrastar as vossas lesmas da agonia, esses vossos
cadáveres tão antecipados, não mostrem como quem não quer a coisa
o enchumaço na algibeira, essa coronha de revólver que
irresistivelmente reclama um biqueiro no cu. Não andem para aí, com
esse incessante arquejo, a insultar o verdadeiro suicídio. Mais
baixo, mil vezes mais baixo do que este que se espanta e pergunta
porquê este fogão a gás ou este elevador, é o porco voraz que
após compreender a grandeza de semelhante destino vive à sombra da
mançanilheira sem jamais adormecer, essoutro que tratando dos
negócios a si mesmo reserva uma hora por dia de fúnebre desespero.”
Louis
Aragon, “Tratado do Estilo”, pp. 57-8, Antígona, Lisboa, 1995. Trad: Júlio Henriques.