Mostrar mensagens com a etiqueta Ali Ahmad Said Esber. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Ali Ahmad Said Esber. Mostrar todas as mensagens

19/01/2013

«Este é o meu nome»...


No início não havia
mais que uma raiz de lágrimas          isto é, o meu país
e a distância era o meu cordão. Desatei-me
e no verdor árabe afundou-se-me o sol.
A civilização é uma maca, uma padiola,
                                                                              a cidade
                                                                              rosa pagã,
                                                                              tenda:

Assim começa ou termina o relato.
A distância era o meu cordão. Juntei os meus vínculos
eu, cratera astral,
e escrevi a cidade
(quando a cidade era uma caravana atracada e os seus lamentos
                                                                              fúnebres eram as muralhas da Babilónia),
escrevi a cidade

como ressumbra o alfabeto,
não para turvar as feridas
não para ressuscitar as múmias
antes para reviver as diferenças…          O sangue
une a rosa ao corvo          Para reduzir as pontes
e lavar os rostos tristes
exangues pelos séculos .
Escrevi a cidade

qual profeta que caminha até à morte
                                                               quero dizer, o meu país
o meu país eco
eco, eco…

A letra ba tirou o véu da cabeça
a xim é um montão de cabelos, fenece, fenece.
O álif, a primeira letra, fenece, fenece.
Ouço soluçar a ha.
enquanto a ra, como o crescente lunar,
afunda-se nas areias e com elas se funde,
fenece, fenece,
sangue coagulado que subitamente flui no deserto das palavras.

Sangue que tece desastres e trevas
Definha, desaparece,
esgotada já a magia da tua história!
Concede-nos o vosso perdão e a vossa graça,
ai, chifres das gazelas,
redondos olhos dos antílopes…

Vacilo, a cada instante te vejo, país meu,
                numa imagem.

Agora levo-te à minha frente, entre o meu sangue
e a minha morte: és rosa
                ou sepulcro?

Vejo-te, uma fileira de crianças arrastam
as suas entranhas, escutam e obedecem,
prosternam-se diante dos cadeados, mudam
de pele com cada golpe de chicote… Rosa
                ou sepulcro?

Feriste-me de morte, mataste as minhas canções
                És revolução?
                ou matadouro?
Vacilo, a cada instante te vejo, país meu,
                numa imagem…

Ali, com a tua história assassinada às costas,
vais perguntando à luz de choça em choça:

                «Disseram-me que tenho uma casa
como a minha casa em Jericó,
que tenho irmãos no Cairo
que a fronteira de Nazaré
está em Meca.
                Como é que se transformou o conhecimento
em grilhões
e a distância num cerco de fogo, em vítima?
Por isso rejeita o meu rosto a história?
Por isso não vejo nenhum sol árabe
no horizonte?»
Ah, se tivesse conhecido a comédia, a farsa!
(Podes chamá-la de sermão do califa, podes nomeá-la
vésperas ou Carnaval).
Têm dois maestros de coro:
um afia o gume à guilhotina
outro rebola no pó. Se tivesses conhecido
a farsa…

Como? Por onde resvalas-te
entre a nuca do decapitado e a lâmina da guilhotina? 

Adónis, in "Éste es mi nombre", pp.29-35, Allianza Editorial, Madrid, 2006
versão da tradução Castelhana de Frederico Arbós Ayuso por RAR.