“Pois
é opinião corrente entre os mais eminentes eruditos que o cérebro
não passa de uma multidão de animaizinhos, pequenos mas dotados de
garras e dentes extremamente acerados, os quais se mantêm unidos na
contextura que nos é dado divisar, como a imagem do Leviatã do
Hobbes, ou como abelhas num enxame perpendicular sobre uma árvore,
ou como uma carcaça coberta de vérmina, ainda conservando a forma e
a silhueta do animal de origem; que toda a invenção é produto da
mordedura de dois ou mais destes animais, infligida em certos nervos
capilares que procedem do cérebro, a partir do qual três ramos se
disseminam até à língua e dois até à mão direita. Afirmam
também que estes animais possuem uma constituição extremamente
frígida; que o seu alimento é o ar que atraímos, o seu excremento
a mucosidade; e que aquilo a que vulgarmente chamamos catarro,
constipações e defluxos nasais não são mais do que diarreias
epidémicas, a que aquela pequena comunidade é particularmente
atreita, devido ao clima em que habita. Mais ainda, que nada menos
que um calor violento poderá libertar estas criaturas da sua postura
enganchada, ou dar-lhe vigor e disposição para imprimirem as marcas
dos seus delicados dentes. Que, caso a mordedura seja hexagonal,
produz poesia; a circular gera eloquência, caso a mordedura seja
cónica, a pessoa cujo nervo é afectado deste modo estará na
disposição de escrever sobre política; e assim por diante.”
Jonathan
Swift, “Singela Proposta...”, pp.76-7, ed. Antígona, Lx,
2013.