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15/01/2013

De «O Sentido da Neve»...


Nos últimos meses reli algumas das minhas novelas e foi estranho, não me lembrava dos demónios, demónios e anjos que nascem uns dos outros como numa gravura de Escher (e não me lembrava que os livros são feitos de tempo, alguns livros e estamos velhos, mais alguns e estamos mortos). O que terá acontecido à jovem que no fim de uma história entrava na vivenda do outro lado da rua? E quando passo na casa que há dois anos era a Villalilla (os lilases estão de novo em flor), lembrou-me de como me senti nos meses que se seguiram à escrita da novela, estava perdida e não consegui encontrar o caminho de volta, nunca consegui, não sei se eles ainda estão lá, sentados no muro do fundo do jardim, descendo o caminho nas rochas para mergulharem no mar. E Jane Frost, onde estará agora? No lugar onde a deixei, ela não podia escapar. Sentada junto à lareira no seu paraíso reencontrado, enquanto a neve cai lá fora. Acho que ela tinha algo de uma personagem de Ray, talvez o andar de vagabundo que sabe que não pode voltar a casa (como Robert Mitchum no princípio de The Lusty Men). E, no entanto, é possível voltar a casa, Jim Wilson e Jane Frost encontraram o caminho para casa… Mas eles são apenas fantasmas, por momentos esqueci-me de que eram eles os fantasmas. E vou ver novamente In a Lonely Place, ele chama-se Dixon Steele, é escritor, tem toda a solidão das personagens de Ray (e a amargura, e a violência, e o cansaço), sabe que a vida é impossível, mas ainda procura alguém, ainda acredita que o amor pode salvar. E, como Laurel Gray, eu gosto muito do seu rosto.

Ana Teresa Pereira, “O Sentido da Neve”, pp. 40-41, Relógio D’Água, Lisboa, 2005.