A LISTA DOS
MAIS
VENDIDOS
o mercado e a
produção da miséria subjectiva
por Marcia Tiburi
Na capa de um livro da classe de escrita denominada “autoajuda”
encontramos a seguinte informação: “mais de 50 milhões de livros vendidos em 50
países”. A explicação numerária está curiosamente sob o nome do autor, bem no
topo da capa, antes mesmo do título que, logo abaixo, parece ser relativamente
menos importante do que os números que aparecem acima dele. Livros em geral,
clássicos ou não, não trazem explicações dessa natureza que venham, como esta,
sublinhar o nome do autor. Verdade é que escritores são valorizados por motivos
estéticos e políticos que também podem representar algum tipo de capital. Mas
justamente por implicarem outros valores não precisam apelar à quantidade
vendida aqui ou acolá para despertar o desejo de compra.
Neste caso exemplar, o nome do autor está relacionado a uma
quantidade, coisa que a explicação deixa claro. Trata-se de um best-seller, um livro muito vendido. Mas
por que esta informação precisa estar em destaque?
Pelo mesmo motivo que jornais publicam listas de “mais
vendidos”. E o que realmente importa nos chamados “mais vendidos”? É
redundante, mas necessário dizer que os “mais vendidos” vendem mais. Que sejam
lidos, ou não, é questão que não importa. Os mais vendidos não despertam o
desejo de ler, mas o de comprar o que talvez até possa vir a ser lido.
O contraditório
desejo das massas
Mais importante é entender que há uma manipulação das massas
no ato de lançar e publicizar os números das vendas diante delas. Daí a função
da lista estimulante. Massa é uma medida de quantidade populacional, sempre
muita gente que pode ser manipulada porque, no contexto do todo, perde a sua
capacidade de decisão no abandono de cada um à coletividade sem reflexão. Mas
como isso acontece?
Assim como em uma eleição pesquisas de intenção podem mudar
a orientação do voto, do mesmo modo, a lista de mais vendidos ajuda a vender
qualquer coisa. A lógica é simples como aquela que verificamos ao ouvir do
vendedor em uma loja: “essa camisa está vendendo muito”, “esse é o carro mais
vendido da semana”. Frases como estas atingem um estranho desejo das massas
localizado em cada indivíduo. O único desejo que sobrevive na massa deriva do
medo de não fazer parte dela. Mas que desejo é esse que pode ser manipulado se
desejo seria, justamente, aquilo que, no indivíduo concreto, não se deixaria
manipular, enquanto a massa seria caracterizada pela ausência de desejo?
Ora trata-se do desejo que constitui a massa. Não o desejo
de ter audiência para si, mas o desejo de ser
parte da audiência de alguma coisa. O desejo de audiência é o desejo de fazer
parte, de frequentar o clube, de entrar no estádio de futebol, de ver a novela
que todos veem, de também ler o livro da lista dos mais vendidos. A lista
aglutina a massa e assim conquista os indivíduos.
O pior dos livros, neste contexto, vende mais porque é, em
algum sentido, mais barato. O mais barato é acessível a quem tem menos capital.
Isso vale para a instância simbólica ou cultural. Quem não tem dinheiro, ou capital
económico, não compra objetos caros. Quem não tem cultura, ou seja, capital
cultural, não compra livros ou compra livros simbolicamente baratos, livros que
cabem na sua ignorância do mundo dos livros.
O livro, que era um meio relativamente livre da indústria cultural,
foi, como meio cultural, rebaixado à mercadoria e ao mercado. Há ainda livros
simbolicamente muito caros que não podem ser comprados mesmo que custem apenas
centavos ou sejam emprestados em bibliotecas. Livros que não cabem em listas
porque exigem aquilo que se chamava alma e que hoje, na falta de nome melhor,
pode ser compreendida como “riqueza subjetiva”, aquela que não vale nada no
mundo da miséria inerente ao capitalismo.
Cada leitor tem o livro que merece e cada massa a lista
própria de sua própria manipulação na qual cada um será subjetivamente
enforcado sem chance de salvação. Aos mortos-vivos da cultura, boa leitura.
in revista CULT,
nº175, p.19, Dezembro de 2012, São Paulo.
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