31/12/2019

...





Milão, 31 de Dezembro de 1937 Não se pode dormir com tanta gente lá fora, aos uivos, a festejar o ano novo. Como se fosse possível um ano novo ser melhor que o velho!
A grande força da vida é mesmo essa: a unidade. Com muita ciência e paciência lá se consegue contar num tronco, pelas camadas lenhosas, os anos da sua duração. Mas o que ninguém consegue ver naquele feixe de horas é a diferença de oscilação do cedro num dia de trovoada e num dia de sol calmo. Como o vento nivelador, o tempo passa por nós sem deixar covas. Quem se lembra das arritmias passadas, lembra-se de um quimera. Do grande calvário percorrido, não fica em nós senão o eco da monocórdica pancada do coração.
É claro que aqui o Sr. Baptistini do lado, negociante de botas, para quem o negócio correu mal estes 365 dias passados, bebe champagne na esperança de que se lhe tenha acabado o azar hoje e comece a vender muitas botas amanhã. O Senhor Baptistini.
Mas será possível que três ou quatro milhões de pessoas não vão além desse raciocínio rudimentar e utilitário do Senhor Baptistini?!

Miguel Torga, “Diário I”, pág. 55, 1941, Coimbra.

26/12/2019

...




26 de Dezembro de 1891.
Leitor, bôas-festas! Abre-me um riso. Repara que te não vou pedir coisa nenhuma. De me aturares, fui-me deixando acometter d’uma certa benevolencia a teu respeito, e essa benevolencia é o maximo d’estima que por ti póde sentir um coração costumado sómente a desprezar. Sei que és hereditario cultor das virtudes simples de familia, e homem de ramerrão, professas a ternura religiosa das grandes datas do kalendario. As tuas robustíssimas espadoas não podiam ser soménte mólhes do porto d’ar onde o teu globulo rubro se renova, mas por força tambem os sustentaculos d’um mundo moral que te ajuda a luctar contra o destino, e que apezar de te fazer ás vezes ridiculo, nem por isso te apeia d’uma superioridade ideal que eu provavelmente nunca attingirei. Razão porque ha no meu desdém por ti, uma ponta de ciume, e porque a sarcastica mysantropia que me fechou a porta dos gozos simples que aligeiram a vida, em vez de me talhar em Jupiter, o que fez foi cavar-me de roda do espirito um fosso, que me sequestra de tudo, e nem ao menos me estanca a saudade do que me acostumei a desdenhar. Este desterro péza-me, confesso, porque eu sou essencialmente um animal de ninharia e convivência, nascido para ter côrte, para se rolar no luxo, e para acceitar sem surpreza que toda a gente faça excepções em meu favor.
Pódes imaginar portanto o que teria sido, n’esta immensa cidade de quatrocentos mil habitantes, e seis milhões d’egoismos, a minha vespera e dia de Natal, sósinho entre a alegria insultante de todos, repellido dos fócos d’amor patriarchal como um sem-familia perturbador das alegrias consanguineas, vendo as mais modestas casas de jantar illuminarem-se, as mais desataviadas salas abrirem-se, amigos e parentes felicitando-se, abraçando-se, sem antagonismos visiveis, esquecidos do struggle, e apaziguados todos pela banalidade jovial da vida intima – a vida modelada sobre os antigos textos da tradicção, com a igreja d’um lado, o escrivão de fazenda do outro, o policia de guarda, e o Diario de Noticias como encyclopedia e breviário.
Ah como eu tive inveja do saloio que parou o burro á porta d’uma mercearia da Bitesga, para comprar a duas duzias de brôas da consoada; do pobre engraixador da esquina, indo á praça com a mulher, de fato rico, apreçar um quarto de peru; da varina entrando na salchicharia, radiante, a comprar salchichas, ao fim de ter deposto a canastra á porta, rude presépe onde o filho loiro chuchava o dedo, com o ventre de sapo para o ar! Todas essas indoles de povo, roídas de penuria , vergadas de trabalho, primitivas, mas fecundas e convergentes, por uma fatalidade ancestral, á reedição das alegrias periodicas do anno, se me afiguraram infinitamente superiores á minha friavel indole de janota sceptico, demolindo no ar sem plano certo, negando pelo simples prazer do paradoxo, incapaz d’estabilidade n’um problema, constantemente á procura de novo, e em topo de colina voltando-se, desesperado de só ter achado gosto – ao que era velho. Oh meu pobre coração amortalhado de tristeza! diz como te dóe o isolamento a que uma intelligencia esteril te votou. Conta, não tenhas medo, conta que choraste lagrimas de remorso, quando da janella do teu albergue viste os tres pequenos do visinho preparando ao seu papá uma emboscada; e o pobre homem entrando, carregado d’embrulhos, e elles de se lhe atirarem p’ra cima, como feras, sedentos de curiosidade e de meiguices, quando já da pobre cosinha da casa o olor de cabidella os chamava para dentro, e os parentes pobres, convivas d’esse dia, as velhas em chita, os velhos em belbutina e saragoça, vinham dar ao seu parente rico, as bôas festas. Vê como sob o manejo d’uma mulher trabalhadeira, os trinta mil reis mensaes d’esse pobre empregado fazem milagres de riqueza, luzindo na cosinha alegre, na bata da mulher, nos bibes das creanças, e no desafogo honesto de todos esses focinhos felizes, que marcham para o futuro despreoccupados da morte, e acceitando a vida apenas pelo que ella é, o usofructo d’uma agregação temporaria de moleculas. Compara a virilidade hygienica d’essa vida de ninho, feita de trabalho, de methodo, de defensão reciproca e de coragem, com o dessasocego da tua vagabundagem deleteria «d’espririto superior», gestando universos sobre leituras de livros mal escriptos, e dyspepsias sobre menús chinfrins de restaurants, e diz-me depois se a crise de solidão moral que te alanceia, não é condigno premio da «vida ironica» que te quizeste dar, toiro com azas, n’uma epocha em que os toiros só podem ser superiores pelos chavelhos!
…… dia de Natal, eu que eu conheço toda a gente, não tive ninguém que me dissesse «anda jantar». Vinguei-me sahindo de casa, e engajando os primeiros va-nu-pieds eventuaes. Dois pobres do asylo, os uniformes sem nodoas, pouco bêbedos. Marchamos para o Augusto, e na sala commum, a uma de cujas mezas nos sentamos, houve reboliço por banda das meretrizes e irregulares que mais alegres do que eu, alli tinham ido fazer o seu jantar de festa, em partie fine. Não descrevo a comida, registando apenas o trabalho gasto em despersuadir os meus dois commensaes de não metterem no bolso os restos de cada prato do festim.
Á sobremesa, um d’elles, bebedo, como eu o fitava com uma piedade christã de filho prodigo confiou-me que estivera quatro annos n’Africa, por um roubo, e o conselheiro X. o mettera no asylo, havia sete mezes. O outro era um velhinho abahúlado, olhos de doido irónico, que fugiam, fallando pouco; mas todo o jantar suspeitei de scellerado, tanto os seus monosyllabos humildes, e os seus contínuos escrupulos de consciencia, lhe davam o ar d’um homem de bem. A despedida, o mais velho chamou-me conde, e o mais novo, doutor, sem acertarem, e lá foram cambaleando, a rogar pragas a quem lhes fizera o serviço de lhes metter no craneo a apoplexia. Pobres malandros! Deixai o meu egoismo abusar da vossa fome. Sem vós, eu não poderia dizer, como toda a gente: «Jantei hoje o natal com dois amigos velhos»."
Fialho d’Almeida, “Os Gatos – Vol. V”, pp. 33-37, 4.ª ed., Livraria Clássica Editora de A. M. Teixeira, Lisboa, 1921.

25/12/2019

...


S. Martinho de Anta, Natal de 1940 O pragmatismo do camponês é o que nele de tudo mais me impressiona. A convicção com que se apega a uma semente, a um costume, a uma crença, ao contrário do que se diz, nada tem de obsecado. Só dura na medida em que a razão prática o aconselha.
Fui hoje com o meu Pai à Vila. A página tantas, passámos diante da capela de Santa-Cabeça, advogada da raiva.
Diz o velho:
– Benzeu-se ali muito pão…
E eu:
– E porque é que os senhores não continuam? Por que motivo, agora, em vez de broa benta, mandam dar injecções aos danados?
E ele, que foi ao fundo da minha insinuação:
– Enquanto não se descobria coisa melhor, que remédio tinha a gente senão agarrar-se ao que havia!...

Miguel Torga, “Diário I”, pág. 179, 1941, Coimbra.

20/12/2019

...

RAPHAEL

Quando Juvêncio apareceu
Mascava uma raiz de pobreza coisa que serve!
E cuspia dentro de casa o amargo em nós.

Na trouxa
Trouxe Raphael.

Raphael não era o pintor
Nem o anjo de Raphael.

Ponhamos que fosse um anjo
O anjo de sua mãe.

Petrônia descia lavandeira
Pro corgo.
Juvêncio curava gado bicheiras
Raphael era um pouquinho miserável
Tal como a sua idade o permitia.

À noite vinha uma cobra diz-que
Botava o rabo na boca do anjo
E mamava no peito de Petrônia.

Juvêncio acariciava o ofídio
Pensando fossem os braços roliços da mulher.
Petrônia tinha estremecimentos doces
Bem bom.

Cenário de luar. Segundo ato.
Papagaio louro de bico dourado estava com fome
Desceu das folhas verdes
Ou verdes folhas conforme apreciais melhor
E começou a roer um naco
Um naco da testinha tenra
De Raphael.

Havia estrelas no céu
Suficientes para o poeta mais de romântico possível
E eu poderia colocar outras peças
Muitas, além de estrelas. Porém.
Sou um pobre narrador menso
Fosse isto uma Grécia de Péricles, não vê

Que deixava passar este canto
Sem de hexâmetros entrar!

Mandava vir cítaras e eólicas harpas
Convocava
Anjos de bundas redondas e troços do fundo do mar.
Porém.

De resto
Juvêncio não é um herói
Raphael não tem mãe Clitemnestra
E nenhuma cidade disputará a glória de me haver dado à luz.
Falo da vida de um menino do mato sem importância.
Isto não tem importância.

Manoel de Barros, "Poemas Concebidos Sem Pecado" in "Poesia Completa", pp. 35-37, Editorial Caminho, 2010.

15/12/2019

...


Nós, Latinos, precisamos acompanhar o movimento do cérebro com o movimento das mãos, que sublinha e ampara o pensamento.
O Inglês não faz um gesto quando fala, e ao começar o seu discurso segura com ambas as mãos a gola do casaco, como que a estrangular a voz; o Latino estende os braços e as mãos, não à súplica, mas para dar mais fôlego ao peito e como que para desimpedir, desafogar o coração.”

M. Teixeira-Gomes, “2.ª Parte de Miscelânea – Carnaval Literário”, pp. 30-31, Livraria Bertrand, 3.ª ed., 1993.

13/12/2019

...

"Que pena sermos dois!
Meu amor, somos dois.
Vejo-te, somos dois..."

Fernando Pessoa. 

08/12/2019

...


Coimbra, 8 de Dezembro de 1933 Médico. Conforme a tradição, mal o bedel disse que sim, que os lentes consentiam que eu receitasse clisteres à humanidade, conhecidos e desconhecidos rasgaram-me da cabeça aos pés. Só deixaram a capa. E aí vim eu pelas ruas fora o mais chegado possível à minha própria realidade: um homem nu, envolto em três metros de negrura, varado de lado a lado por um terror fundo que não diz donde vem nem para onde vai.

Miguel Torga, “Diário I”, pág. 11, 1941, Coimbra.

03/12/2019

...


Coimbra, 3 de Dezembro de 1937 Por mais que faça, não faço nada. Enrodilho-me como as cobras nas matas, sofro, mordo se alguém me toca, e assobio de vez em quando uma ária que ninguém ouve. É de mim, é dos outros, é dos tempos que vão correndo. Mas hei-de morrer assim.
Tenho cá uma fé comigo que ainda há-de aparecer na minha vida alguém que me conte esta história do Erico Veríssimo:
– Filho. Sabe da história do pirú? La gente risca com giz um circolo in torno do pirú. E o cretino do pirú crede que está prêso. – Guarda… la vita é bela, il mondo te chiama. Salta o risco de giz, no seja come o pirú!

Miguel Torga, “Diário I”, pág. 48, 1941, Coimbra.

...


LIVRE, CRISTÃ E OCIDENTAL

“A Galeria Bernardette fazia um negócio excelente e o senhor Balakian tinha todas as razões para estar satisfeito. Era raro o dia em que não vendia uma meia dúzia de fruta, quase sempre dos mais procurados autores. Nesse mesmo momento acabava de vender uma lindíssima banana com a assinatura de Tibor Gayo. Uma banana Gayo realmente excepcional, com aquele alegre colorido tão poderosamente abstracto que caracterizava toda a fruta do artista.
A verdade é que a melhor sociedade, todos os apreciadores da capital eram seus clientes. Com frequência se ouviam comentários encomiásticos às magníficas frutas dos jantares mais apurados. Um banqueiro tinha que resolver grave problema de finança e era certo e sabido: no fim do repasto surgia a fruta com excelentes assinaturas. Com o ministro o mesmo: embaixador presente à mesa e pronto, lá estavam duas ou três pêras Capristano, naquele estilo forte e seguro do pintor. Realmente Capristano era caro mas ninguém discutia o preço. Valia e vendia-se bem.
Pois se ainda há dias me dizia o doutor Lesoto, o conhecido crítico:
Meu caro, ontem, em casa do Gualtério, havia uma maçã e dois abrunhos de Júlia Jardim que eram um regalo. Do melhor que conheço, estou-lhe a dizer. E tão maduros! Uma delícia.
Então aconteceu o inesperado. Estava o senhor Balakian a polir uma pêra Terensky quando lhe entra pela Galeria uma alta patente do exército, da Casa Militar do Ducado. Explicou ao que vinha, com exactidão militar. Sua Excelência dava, no dia seguinte, uma pequena recepção a uma delegação de deputados em visita ao país. Muito bem. Sua Excelência necessitava de uma série de obras para a sobremesa, das mais reputadas. Eram sessenta talheres. Logo, no mínimo seriam sessenta peças escolhidas. O preço não interessava, era só o senhor Balakian apresentar a conta ao erário. Posto isto, o marechal retirou-se avisando que mandaria pela fruta no dia seguinte, às seis da tarde.
O senhor Balakian ficou tremendamente preocupado. Nunca tinha grande acervo, não se podia conservar excessivamente a maioria das obras, sorvavam com enorme rapidez, era capital perdido. Deu um balanço ao que havia. Uma maçã e duas pêras Capristano, do melhor estilo, sóbrias e profundas. Sete bananas Tibor Gayo, ultimamente a procura de banana baixara um pouco. Um ananás realmente extraordinário de Ferdinand, de um colorido assombroso nos múltiplos losangos. Meia dúzia de ameixas sortidas, com a alegria de Júlia Jardim, a imaginação metafísica de Carlos Clarete e a dignidade antiga de Mestre Rovira. Três melões casca de carvalho com motivos folclóricos e não assinados, coisa própria para estrangeiros e, finalmente, uma pêra e três laranjas de Terensky, fulgurantes de abstracção. Feitas as contas, eram vinte e uma obras, embora pudesse considerar o ananás e os melões como obras não unitárias. Bem vista as coisas, digamos que podiam corresponder a quarenta talheres. Era o diabo, os convivas eram sessenta, conforme informara o marechal da Casa Militar. Uma encrenca, essas coisas não podiam ser feitas assim de repente, arreliava-se o senhor Balakian. Passou a tarde a telefonar para os artistas mais conceituados, mas nada. Uns não tinham tempo, outros faltava-lhe a fruta apropriada, outros ainda estavam ocupados com peças de grande porte, como abóboras. De factura exigente e demorada.
À noite, desesperado, mandou.me um recado de aflição pela Remualda da caixa que aparece umas vezes por outras cá em casa. Pensei um pouco, disse à Remualda que se pusesse à vontade que eu não me demorava e atirei-me para o telefone do PRAXIS, logo ali em frente. Enquanto sorvia um gin, liguei para o Militão Cuba, sabem, que vive em Balmoral. Ora, como também sabem com certeza, Balmoral é uma vila famosa pelos fenómenos constantes: já deu um nabo de sete quilos, um pianista búlgaro de dezoito meses e um frango com três pernas, isto que me lembre agora.
O Militão estava em casa e disse-me, eficaz como sempre, que lhe parecia poder solucionar a coisa. Eu que lhe aparecesse por lá logo de manhã e então se veria. Não quis explicar mais nada.
Passei a noite preocupado, embora não muito e, mal foi dia, corria à Galeria a comunicar o facto ao senhor Balakian. Aporrinhado como estava, viu ali a salvação e disse-me que usasse o seu helicóptero, para ser mais rápido.
Às onze e meia estava de volta. O Militão arranjara tudo, com o mais recente fenómeno de Balmoral: uma tremenda melancia de vinte quilos, de um verde radioso! Uma superfície ideal para a pintura paisagística, uma abundância excelente para os convivas que restavam.
Mas havia que acabar a obra. Tinha de ser rápido. O senhor Balakian, já de certa idade e com aquela complicação às costas, não tinha cabeça para nada. Lembrei-lhe o Fujimoto, no seu clássico paisagismo asiático, rápido na execução. Era o indicado, se estivesse livre. Isso mesmo, o Fujimoto, concordou o senhor Balakian e cedeu-me o carro, logo ali, para me atirar ao assunto.
Fui e vim em meia hora, numa loucura de volante, com Fujimoto, as seringas de Pravaz, os pincéis fininhos e as lacas apropriadas. Prometemos-lhe tudo e pusemo-lo numa azáfama criadora.
Ao quarto para as seis a paisagem oriental, exacta, delicada, de suave colorido, envolvia a enorme esfera verde. Na verdade, um dos melhores Fujimoto que me fora dado ver, se não o melhor.
Às seis a fruta era entregue ao enviado especial da Casa Militar.
Dias depois o senhor Balakian recebia do erário o cheque magnânimo e, cerca de um mês após a recepção, Sua Excelência agraciava-o com o colar do Mérito Agrícola Cultural. A melancia fora um êxito completo, o país saíra-se airosamente, com elogios unânimes dos deputados estrangeiros maravilhados.
Quanto a mim, recebi três nêsperas que o senhor Balakian me ofereceu com eterna gratidão. Três nêsperas excepcionais, devo dizer, com originalíssimas colagens do Senegal Júnior.
Souberam-me muito bem.”

Mário-Henrique Leiria, “Contos do Gin-Tonic”, pp. 15-18, Editorial Estampa, 2. ª ed., 1976.

02/12/2019

...


Para uma pequena filosofia do Natal
Ao separar a correspondência, o carteiro encontrou várias cartas dirigidas ao Pai Natal. Como não tinham endereço, ficaram por distribuir. Desejos não endereçados não chegam ao céu!
Resolveu fazer Natal todo o ano. Quando o trataram de maluco, perguntou-respondeu candidamente: – Então o pinheiro não é árvore sempre verde?
Encontrou no sapatinho uma guilhotina de brinquedo.
À porta da loja de brinquedos, o Pai Natal já não podia com o frio. Um senhor teve pena dele e pagou-lhe um copo num bar vizinho.
Proposta (rejeitada) de um vereador amigo da natureza: fazer árvores de Natal nos pinhais (com pinheiros não cortados, evidentemente).
Todos os lugares deveriam ser santos no Natal.
Pelo Natal, um pequeno industrial arruinado decidiu relançar o seu talco invendável sob uma nova marca: NATALCO. «Mas é a pior altura do ano para se vender talco!», disse-lhe um amigo. «Não. É agora que os armazenistas fazem os seus estoques de Verão»», respondeu-lhe o industrial. E cada um parecia muito seguro do que afirmara. Eu pensava nos refegos dos bebés…
O mais triste do após-Natal: pinheirinhos, às portas das casas, como adereços imprestáveis.
Estão à espera de uma graça sobre o Natal e a gasolina, não estão? Então esperem…
– Que tens tu?
– Nada. É Natal.”


Alexandre O’Neill. In “Capital”, 20 de Dezembro de 1973.