18/02/2014

Escritores Esquecidos 11...

abílio-josé santos (1926-1992)

tenho
cinquenta e seis anos
de existência
olhos azuis
e uma data de doenças...
sou
desenhador de profissão
poeta quando calha
e em matéria de religião ateu
como uma bola de bilhar
- vermelha!...

abílio-josé santos






























Natural da Maia, Abílio-José Santos (1926-1992) foi poeta e desenhador e projectista. Frequentou o curso de Máquinas e Electrotecnia do Instituto Industrial do Porto.

As publicações e as exposições de Abílio articulam uma forte componente plástica com variadas técnicas de impressão. A utilização de diferentes materiais nos seus trabalhos atribui à materialidade da escrita novas expressividades. O seu trabalho na área da poesia visual e da mail art é tão pioneiro quanto radical. Estando representado nas principais Antologias, a sua poesia está pouco publicada. Autor de manifestos e textos panfletários.

Obras principais > O voo do morcego (1962), Lidança (linóleos de Maria Augusta, 1968), Carta a Vinícius (1969), Carta ao crítico d'arte Rui Mário Gonçalves... a propósito do primeiro cinquentenário da morte do Pintor Amadeo de Souza-Cardoso (Porto, Livraria Escolar Infante, 1969), Despertador (Maia, Gráfica Miradouro, 1974), Dia de pica boi (Maia, Gráfica Miradouro, 1974), (COLAGE)MANifesto vermelho (1976), Poéticas visuais (1985), Trabalho/liberdade (1987), Manifestos LIXARTE (Maia, 1987), Corporis christi (1991), T'arrenego (1991), O futuro defunto que se parece comigo (1991), Interrogações (1991), Gente da poesis (1991), Poemas para Montagem: O Equilibrista (1991), Reagen: Aí está o "Tio Sam"! (1991), Diálogos Imprevistos (1991), Tríptico Tripeiro, V(l)er.






Fonte: http://po-ex.net/index.php?option=com_content&view=article&id=608:abilio-biografia&catid=36:textos-sobre-os-autores&Itemid=68

07/02/2014

2.ª e última parte da entrevista DaDa ao programa de rádio Badanas e Bananas...

Quarto programa Badanas e Bananas de Jorge Palinhos e Rui Manuel Amaral na Rádio Manobras (91,5 Mhz).  finaliza este quarto programa com a leitura de Atol de Miguel Martins por ele mesmo. 

PARA OUVIR ESTE QUARTO PROGRAMA: http://kiwi6.com/file/zaf2h25fuj


«DE OMBRO NA OMBREIRA DO SURREALISMO»...

DE OMBRO NA OMBREIRA
DO SURREALISMO
Vitor Silva Tavares

Em nacional português teríamos chegado tarde a tudo, surrealismo incluído, não tivera havido faiscante premonição a tal modo de usar: num jacto de psiquismo discursivo Almada esgalha A Engomadeira dois anos antes (estamos em 1917) de Apollinaire apor o hífen à designação pioneira «sur-réalisme» para o «drama» Les Mamelles de Tirésias.

Arqueólogos, cuidado: a esta luz o próprio André Breton – pára-raios e constitucionalista – chega tarde ao surrealismo!

Capítulo escavações temos entre nós um caso toupeira expedicionária: vai-se à antologia O Surrealismo na Poesia Portuguesa que Natália Correia estampa europa-américa em 1973 e lá surge a inaugurar uma tal Soror Violante do Céu, nada em 1602 e sugada de vez pelo apelido em 1939, Nihil obstat.

Matéria de arautos & trombeteiros, faz-se constar Agostinho de Campos (!) e já agora – pare, escute e olhe – Jorge de Sena, mas a coisa apura em António Pedro, que manifesta «dimensionismo» (!) em 1935 e até fardara surrealista londrino em 36. Também vale.

Ou não. E não, porque o Primeiro Manifesto de 1924 (que manifesta a cosmovisão conceptual e as estradas da intervenção) o surrealismo se entende unicamente acção de grupo, proposição revolucionária que se cumpre em colectivo e dispensa (expulsa) frenesis umbilicais, génios domésticos. Atenção: por enquanto, nisto, nem bufa de Estaline.

Mas teremos de virar folhas e calendários, ultrapassar de Espanha e Segunda Mundial para, agora sim, chegarmos a António Pedro como polarizador, na passada esperta, de um primeiríssimo grupo de iniciados, ou isso. 1947: passe de mágica no círculo do circo cercado e ei-lo primus inter pares – já era mania pessoal, vê-se até na fotografia.

(IN SE RIR FOTO)


Primo que fosse, ou se colasse colaterasse, serve à maravilha para arquivistas do tarde e do cedo.

Que é sempre tarde. E é cedo sempre. Independente do cadáver adiado e da sua circunstância histórica, o real movimento do espírito humano não cultiva relações com cronómetros e calendários, as ondas magnéticas vertiginam por espaços e eras, sem atrás, sem à frente, sem baixo, sem cimo, sem ida e sem volta. O que é que pois importa, nesta irradiação, sublinhar-se primeiro como certificado de valor ou louro de efeméride se de cada «novidade» na anedota dos ismos se desenha apenas o jeito da farpela, o ademane?

Adiante. Temos por assente que Breton e correligionários, saídos da negação pura e dura de dadá, não asparam o surrealismo como estética, mais uma, apesar dos impulsos instrumentais – psiquismo onírico, celebração mágica, discurso sem censura racionalista – e dos modos operatórios da criação artística aqui alavanca (uma delas, e nem por isso aglutinadora) para mudar a vida, mudar mesmo, e transformar, transformar mesmo, o Homem: assim o afirmaram revolução – com ética interventora e revólver dialéctico, pum pum.

Quanto ao comandante de grupo lusitano cheira-nos que afeiçoou ele o surrealismo cheirado via Canal da Mancha ao figurino de bailarico minhoto – e terá sido por consequência, afeito folclore de vanguarda, que o Secretário de Propaganda Nacional, depois Secretário Nacional de Informação (não é de hoje, pois não, a camuflagem da propaganda em informação), todo entregue a modernismos para não mais se sentir só, lhe chamou um figo, lhe abriu salões para expor, pagou catálogos, fez a festa, lançou foguetório e deixou outros a apanhar as canas. Ou nem isso. Porque outros – havia outros – tomavam de assalto a SNBA de Eduardo Malta e, verdinhos muitos da António Arroio, pintavam-se alguns de vermelho tropical, tipo Portinari e muralistas mexicanos, naquela sua ideia deles de porem trombudos trolhas a almoçar de marmita ou a adjectivarem a fome – e oh se esta apertava – com os ossos todos à vista armada. Mas será este um outro filme, se não o mesmo. Porque a polémica «neo-realismo» versus «surrealismo» foi também, se é que não foi de sobremaneira, uma polémica política em tempos internacionais de brutal confrontação entre fascismos e antifascismos, e por cá em conformidade, entre quem colaborava ainda que a toca-e-foge ou não colaborava-de-todo com um regime ditatorial, claramente apoiante dos fascistas espanhóis e das potências do Eixo, que nem a «Política do Espírito» herdada do buliçoso Ferro lograva branquear. Impunha-se uma separação de águas ou territórios, de compromissos tácticos, de comportamentos. Não apenas, note-se, entre os dois lados deste fosso que o tempo forçava a preto-e-branco: pairando como pairava, já nas hostes neo-realistas, a treva do jdanovismo estalinista – que impelia o Mário Dionísio das «Fichas» a confrontar um António Vale que mais não era que o Álvaro Cunhal em embuçado pseudónimo – também no interior do que passava a ser o primeiro grupo surrealista havia quem, houve quem, desde logo se não antes lobrigasse o surrealismo de António Pedro como esturro reaccionário, ou fedor de cadáver-mais-que-esquisito da propaganda estadonovista, álibi d’arte prafrentex, lambidinho em subdesenvolvidas imitações dalinianas e logo convenientemente «onírico». Na literatura, o mesmo: serra d’Arga à vista, em proto-poema hortaliceiro. Estava muito bem assim.


COLAGEM – I

De uma entrevista concedida por Francisco Castro Rodrigues, homem do MUD e co-organizador do volume antológico Bloco (onde neo-ralistas e futuros surrealistas se ombreavam), à revista Abril em Maio, Abril de 2001:
CR – As teorias de António Pedro foram aquelas seguidas imediatamente.
AeM – Eram teorias dissolventes?
CR – Não diria tanto. Mas era: desliguem-se dos comunistas, desliguem-se desses antifascistas todos, e pintem, e façam as vossas obras. (…) Talvez viesse a saber depois que aquilo era o expoente dessa coisa que se chamou surrealismo. Vieram depois juntar-se ao Grupo Surrealista de Lisboa, em manifesta hostilidade a esses patetóides dos realistas, dos neo-realistas, porque ninguém falava ainda em realismo socialista, não se sabia o que isso era.


COLAGEM – II

Do artigo «Antes e depois de 1947», de Alexandre Pomar, inserto no «Cartaz» do Expresso, 2 de Junho de 2001:

Quanto à primeira fase do surrealismo nacional, o carácter de ruptura atribuído à exposição de Pedro e Dacosta na Casa Repe (1940) tem de ser prudentemente contabilizado com a aparição regular da sua pintura nos salões do SPN, desde 39, depois no SNI, em 45, e na SNBA em 46 e 47 (1.ª e 2.ª EGAP), associada entretanto à confusa produção de Cândido Costa Pinto, Por outro lado, é indispensável que ao vanguardismo de pedro em 34 se associe a sua militância fascista (é então comissário da propaganda do «Nacional Sindicalismo» e a ida para Paris é um «semi-exílio» solidário com Rolão Preto, como França ensinou), tal como importa referenciar na extrema direita as figuras de Dutra Faria e Ramiro Valadão, co-autores dos primeiros cadavres-exquis ditos surrealistas.


COLAGEM – III

De Mário Cesariny, in A Intervenção Surrealista (1966), dados referentes a 1947:
a)    Em Lisboa, António Domingues, Alexandre O’Neill, João Moniz Pereira e Mário Cesariny aderem ao surrealismo.
b)    Em Lisboa, Alexandre O’Neill e António Domingues afastam Cândido Costa Pinto do grupo surrealista em formação, ao mesmo tempo que chamam António Pedro a esse propósito.

«Fundador» do grupo lisboeta por usurpação transformada em direito natural, e assim uma espécie de gauleiter do surrealismo-de-montra do Palácio Foz, António Pedro devia exalar ainda, em majestático, o fascínio de um cilindro sedutor (leia-se José-Augusto França, que em recentes Memórias lhe presta sentida homenagem e lhe despe a fardeta negra), daí decorrendo que, perorando pulsões narcísicas sem mais ímpeto ou furor, atrai ao primeiro milho da «subversão artística» uns tantos moços sedentos de ardências outras das da epopeia futurista quanto mais da saga coitadinha de gaibéus e trolhas. E se uns por aí se ficaram, breve deslizando como O’Neill ou Dacosta (que já «pegara fogo» ao atelier de António Pedro em 1944, segundo Cesariny), outros, em clara agonia do mau cheiro, bateram com a porta e foram, literalmente, apanhar ar. O ar que houvesse disponível nos interstícios do pestilento país do respeitinho, dos padres e das polícias.

         Decorre uma saraivada de manifestos, abaixo-assinados, poemas-colagens e por colar, objectos recuperados, cadáveres-esquisitos, picto-abjeccionistas, provocações – o mais intenso, o mais dinâmico, o mais inventivo e interventivo que pulsou entre nós o surrealismo-enquanto-tal, único.


* * *

Enredos e equívocos em malha apertado eis que se chega (47) ao palco do JUBA onde doutores mui curiosos de saber o que era afinal isso do surrealismo ouviram os distintos baptizados e estancaram-se com o mesmo ponto de exclamação sendo depois brindados pelos «outros» com um gato dentro duma caixa de sapatos «tudo rapaziadas» miopou póstumo o Luiz Pacheco enquanto o trolha lá ia melhorando o rancho e a pide refeita do cagaço da vitória dos aliados garantia o emprego o emprego com o novo alento da guerra fria já que os capatazes locais do zé dos bigodes excomungavam de reaccionários todos (por causa do ex-fascista Pedro?) esses rapazes suspeitamente esquizofrénicos e esotéricos e sebosos de caca cuspo e ramela que tendo lido embora e adaptado conforme o Segundo Manifesto da tentação marxista repegavam Rimbaud e Artaud e outros videntes e empanzinavam-se (no papel) de carapaus fritos e pratos de sopa numa recusa telhuda de explicações para a História dos sábios e de carreiras artísticas com vista à enxúndia bancária e assim se estampavam com o nariz na porta dos suplementos culturais e das casas editoras que lá iam cumprindo em elevado espírito de missão & melhor consciência comercial o papel de oposição ao regime, oh Posição.

Esses rapazes que lá fora – ah, lá fora – conseguiam, malgré tout em português, rir de tudo.

* * *
COLAGEM – IV
     De Mário Cesariny, in A Intervenção Surrealista, dado o referente a 1951: Alexandre O’Neill publica: Tempo de Fantasmas, primeira recolha de versos. Apresentando, diz estar o surrealismo «reduzido, como merece, às alegres actividades de dois ou três aventureiros». Os surrealistas respondem com o folheto: Do Capítulo da Probidade.

Propriamente dita (não contando a zona de transição entre uma atípica influência neo-realista – batuta Pinheiro Torres? – e os primeiros bosquejos experimentalistas), a aventura surrealista «ortodoxa» de Alexandre O’Neill pouco mais dura que o amor de um estudante: máximo quatro anos e as colagens d’A Ampola Miraculosa (1948), somando sim senhor – entre penúrias, angústias, vagabundagens, paixões de cair à cova –, uns tantos objectos-esculturas, alguns cadáveres-esquisitos e abaixo-assinados, cartas e repentes poemáticos. Tudo o que vem a escrever e publicar depois (incluindo Tempo de Fantasmas) não o considera ele «surrealista» – e disse.

Após o acne do achamento e a imediata sintonização com o novo espírito de rebeldia – que aliás ia ao encontro do seu pendor iconoclasta –, breve se enreda nas manigâncias e intrigas e conspirações grupais gerados pela bafienta erosão do tempo e do lugar, navega à bolina e a desnorte, cava um fosso com outras radicalidades porventura mais consequentes e parte enfim solto de obediências sacerdotais, nunca deveras assimiladas, rumo à autenticidade própria, ao auto-retrato, Certo que do surrealismo como ele o entendia « herdou certa tentação pela ambiguidade (fuga do real) e um formalismo que o leva, num ou noutro poema, a soluções de evidente mau gosto», ele o diz em 51 mas não é de levar à letra para todo o sempre, o poeta amuara. Outro, sem dúvida, é o sentido eu dá à vida ou à «vizinha» e se deixa ler no seu corpus poético, o regresso à base do «real», os escolhidos ou recuperados vultos tutelares (Tolentino, Bocage, Gomes Leal), o olhar (escarninho, lúcidomerda) sobre o ser Português no Portugal das três sílabas e dos três efes, também o percurso – em boa medida ditado pelo virtuosismo vocabular e pela agilíssima imaginação – que o conduz ao pãozinho da publicidade e lhe vem a contaminar, pungente embora no autocriticismo derisório, o aplicado rigor da oficina e a mundividência da inspiração.

     Caso arrumado, em surrealista (também como os outros) condenado a solitário? – Pois não senhor.
    
 Na «Biografia Cronológica de Alexandre O’Neill», estabelecida por Ana Maria Pereirinha nas Poesias Completas (ed. INCM, 1990), pode ler-se:


COLAGEM – V

1945-1950

Anos da «aventura surrealista», balizados por dois encontros fundamentais: em 1945 o encontro com Mário Cesariny, no café A Cubana, determinante para a formação dois anos mais tarde do Grupo Surrealista de Lisboa: em 1950 o encontro com Nora Mitrani. A partir deste último ganhará corpo o mito do amor puro, do «amor louco», nunca maculado pelo «sórdido amor mesa-de-família-cama-de-casal» contra o qual O’Neill se rebela num questionário acerca dos porquês da adesão ao Surrealismo inserido no catálogo da 1.ª exposição do G.S.L.

O'Neill com Nora Mitriani

     Cristalizado e imortalizado na beleza pungente de Um Adeus Português, na ternura infinita da elegia que são Seis Poemas Confiados à Memória de Nora Mitriani, será este o amor dorido do poeta. O homem real encontrará na vida outras concretizações do amor, todavia menos absolutas.

     Sublinhe-se: todavia e menos absolutas.

     Alexandre O’Neill projecta-se surrealista em Amor Absoluto.


À LAIA de P.S.

     Surrealismo, revolução surrealista, na feira cabisbaixa? Máxima liberdade para o Homem quando por cá se coarctava, para além da liberdade cívica, a própria livre expressão do pensamento e da vivência poética, também esta forçada em literário a camuflagens, alegorias, extrapolações simbólicas, audácias caligráficas? Que grandes transparentes iluminados em tal opacidade? Sendo como era a retaguarda, que vanguardas outras distintas das recreações do espírito e das guerrilhas do alecrim e da manjerona?

     Alexandre O’Neill – a sua agudeza crítica – nega-se a um surrealismo desde logo confinado a erupções de meneio artístico e sequer se presta a espectador ao postigo do abjeccionismo, proposição de Pedro Oom como paisagem adequada (empestada) a um impossível surrealismo cá: vejam a merda em que sufoca o sonhador espacializado. Com ele se deu o que se dá com os revolucionários sem revolução: acabam por se devorar, suicidados da sociedade – sendo os próprios a apresentar a certidão de óbito, fuligem de um incêndio onde, num breve encontro, puderam crepitar com outros.

     Os seus dentes todos, se desejavelmente «lavados e muitos» como os de Cesariny a rir «lá fora», foram, com o continuado tempo de fantasmas, ficando apodrecidos pela cárie da amargura. Vi-os eu com estes olhos a castigarem de cínica ironia – essa gabardina fingidamente protectora das chuvas ácidas que a muitos encharcavam, degradavam, no cinzento da pátria salazarenta e no depois do ledo engano que Abril abriu. Vê-los luzir seria terapêutico não fosse, no asséptico real quotidiano, penoso. Por ele. Por mim nós. Pelo dessorar de uma utopia revolucionária feita corpo visível noutras latitudes ou, em mais próximo e pequenino, por uma adeus (infinito) português que a língua – a literatura – por si só pode iludir mas lá travar não trava.


Prefácio de Vitor Silva Tavares in Alexandre O’Neill – Anos 70 Poemas Dispersos, Assírio & Alvim, 2.ª ed., Fevereiro de 2009.

...

Saudámos (javé!) o aparecimento de uma nova editora de poesia de nome - Textura.
Lá para o final de 2014, se tudo correr benzinho, esta autora do «Flúor» terá por aqui um livrinho.



para encomendas e mais info: Acho que há também um facebook mas eu não sei, não uso. O que sei é que há este mail (textura.edicoes@gmail.com) e este blog (http://oladoparaquedurmo.wordpress.com).

01/02/2014

Vaudeville no Porto...

Ontem passei um bom bocado neste espectáculo! Recomendo!
O espírito é de cabaré, fuma-se, bebe-se, tem gémeas a servir!
O texto entre outros (cerca de 60 autores) tem o dedo do João César Monteiro. 
(como se pode perceber vale a pena) 
No círculo operário do Porto até 22 de Fevereiro!  




31/01/2014

1ª parte da entrevista DaDa ao programa de rádio Badanas e Bananas...

Terceiro Programa Badanas e Bananas de Jorge Palinhos e Rui Manuel Amaral na Rádio Manobras (91,5 Mhz) falou-se das edições 50kg e de outras coisas. Para a semana vai pró ar a segunda parte (quarto programa) .... A  música que finaliza este terceiro programa é do projecto A Fávola da Medusa que integra o autor da 50kg Miguel Martins. 

PARA OUVIR ESTE TERCEIRO PROGRAMA: http://kiwi6.com/file/qb3gq7tnzv


27/01/2014

Título pró visório


E este solo é grama
E esta só é gramática
E este não limpa os ângulos
E este purga num bacio
E este suja as pegas
E este diz: faz logo ritmos
E esta é uma má ‘triz
E este um leo pardo
E este animal de dó acção
E este vende micro copos
E este esteta copos não tem
E este é um acaba lista
E este cortou os impulsos
E este é um és tá tu to bem
E este é arisco etílico
E este um plano tónico
E esta é fêmea efémera
E este macho machuca
E este ri actual
E este ri corda
E este é, se vero
E este é um rigor morto
E este está na idade da vontade
E este tem vontade de ir da idade
E este amado ali aleija
E este é o Mohamed de Alijó
E este via a via viável
E este nunca se viu com outra
E este esbarra os ares
E este só pára nos bares
E este é o novo que vê o cú da galinha no ovo
E esta dobrou o finado pró morto ficar vincado
E a este a musa pôs-lhe as antenas
E este confia no que vem de Atenas
E este é só
E esta é sã
E esta diz que amou
E este diz que não amuou
E este ignora que é ignorado
E este signore é do signo aquário
E este admite demitir-se
E este de meter-se submete-se
E esta é uma franga
E este um ex-frangalhado
E este diz: subi num pulo
E este diz que é desci pulo
E este queixa-se da lida
E esta de que não é lida
E este professor diz: já avaliou?
E este ex-professor diz: Jávali!
E este lavra
E este, palavra!
E este viu a filha em acção
E este não tem filiação
E este quer vingar-se
E este já não vinga
E este quebra o barulho
E este parte o baralho
E este tem louvores
E este tem dores
E este perdeu-se no deserto
E este perdeu-se na dissertação
E este é do comércio
E esta é de comer no cio
E este mica um livro cómico
E este tem comics em micas
E este abusa das palavras inocentes
E este usa palavras que mataram
E este não cede um milímetro da fórmula – milionário
E este é dos que cede sempre, ó pra ele tão sedentário!
E este que veio à boleia de Wyoming
E este estuda os índios Pottawotomie
E este à noite lê o Ginsberg
E este deita gin na carlsberg
E este que leste?
E esta a Leste!
E este vende galos de Barcelos aos ingleses
The cock, the cock! The portuguese cock!
E este esteriliza sentimentos nos dias cirúrgicos
E este no fundo tem mantimentos pró fim do mundo
E este ouve os livros no ipod
E este ouve gritos mas não acode
E este é de arrebatamento pueril
E este afia a língua no esmeril
E este cobre-se de façanhas
E este quer cozer faianças
E este hesita por um instante
E este foi Aki e traz uma estante
E este coça o cú
E esta faz o Sudoku
E este mole é aqui que verga
E este duro é daqui que parte
E este é mestre em mídias de arte
E este sendo nada não está à parte
E este é do universo universitário
E este parece que saiu de um aviário
E este é o arruma dor que faz rima:
Mais um pópó pró pó!
E este tem encontros do 1º grau na prima
Fica na família não tenhas dó!
E este está preso na rede social
E este tem 60 e um curso profissional
E este só diante de um juiz diz: Juro!
E este vai ao banco renegociar a taxa de juro
E este ao Lobo Antunes rouba as letras de médico
E este desde pequeno que não toma o remédio
E este encenador incinera a cena
E este confunde-me com alguém e acena
E este dos programas da televisão entope
E este faz lembrar os telegramas: STOP!

RAR


17/01/2014

Uma fotonovela diplomata...

Em 1981...
«OS POETAS DO CAFÉ DIPLOMATA» Da esquerda para a direita: Aureliano Lima, Egito Gonçalves (lá trás), Luís Veiga Leitão, Mário Cláudio, Helga Moreira, Isabel de Sá, Álvaro Magalhães, António Campos, Arnaldo Saraiva, José Emílio-Nelson, Jorge Velhote, Laureano Silveira, Amadeu Baptista. Em baixo: Manuel Alberto Valente e Maria da Glória Padrão

Em 2014...






12/01/2014

...


"A hora da ladainha tinha assim sido introduzida. Na pátria imensa de Ulíssipe, ouviu-se então o coro de respostas às entoações do sacerdote:

«barcas imensas de diónisos…!       (Nisch… Nisch…)
«perda absoluta…!                         (Batail… Batail…)
«festivas trocas simbólicas…!         (Baudrill… Baudrill…)
«máquinas desejantes…!                (Gilsdeus… Gilsdeus…)
«vida a mudar…!                           (Rimb… Rimb…)
«mundo a transformar…!               (Mark… Mark…)
«obras a abrirem-se…!                 (Húmbecco… Húmbecco…)
«orelhas comunicantes
  bocas comunicantes…!                (eusmeu… eusmeu…)."



Adélio Melo, ”Para Além de Sade – Uma erótica política poética logética”, p.45, Edições Árvore, 1977, Porto.

02/01/2014

...



CAIXAS E SACOS

Quanto maior é a caixa, mais leva.
As caixas vazias levam tanto como as cabeças vazias
Muitas caixinhas vazias que se deitam numa grande caixa vazia, enchem-na toda.
Uma caixa meio-vazia diz: «Ponham-me mais».
Uma caixa bastante grande pode conter o mundo.
Os elefantes precisam de grandes caixas para guardar uma dúzia de lenços de assoar para elefantes.
As pulgas dobram os seus lencinhos e arrumam-nos com cuidado em caixas de lenços para pulgas.
Os sacos encostam-se uns aos outros e as caixas levantam-se independentes.
As caixas são quadradas e têm cantos, ou então são redondas e têm círculos.
Pode empilhar-se caixa sobre caixa até que tudo venha abaixo.
Empilhe caixa sobre caixa, e a caixa do fundo dirá: «Queira notar que tudo repousa sobre mim».
Empilhe caixa sobre caixa, e a que está em cima perguntará: «É capaz de me dizer qual de nós cai para mais longe quando caímos todas?».
As pessoas-caixas vão à procura de caixas e as pessoas-sacos à procura de sacos.


CARL SANDBURG tradução de Alexandre O’Neill

15/12/2013

"Domingo
Canto dos passarinhos
Doce que dá para pôr no café"

Paulo Leminski

03/10/2013


CHILE
a Salvador Allende

Ergam esse belo morto estendido sobre a porta de nogueira.
O preço do cobre subiu já de três cêntimos e meio a libra.
O ferro,
sempre o ferro; o dólar; as botas. Uma caldeira, uma caldeira,
                - gritou ele –
uma caldeira de alcatrão fervente –gritou ele – para que afogue
                nela as mãos – mãos estúpidas
com chagas dos cravos – elas não aprenderam ainda a
                enrolar-se à volta de um pescoço. Ergam-no
mais alto ainda ergam o belo morto sobre a porta de
                saída[1]. Destino
o mais amargo dos destinos: fazemos deslizar os heróis por baixo da história
                envergonhadamente
neste comboio bem aferrolhado, cheio de beatas, de cestas dos pescadores,
                vazias
com as bandeiras mil vezes enroladas para que ninguém lhes veja
                as cores
depostas em terra, sobre as pranchas, amarrotadas, travestidas
nessas trouxas que levam os mendigos enfermos, - e dentro,
                uma pedra. Em cima, sentados,
os três cães cegos e a guitarra vermelha, a guitarra de peito
                feito de Pablo Neruda.

                Atenas, 12 de Setembro de 1973

Yannis Ritsos com tradução & notas de Luís Nogueira in «Fenda – Magazine Frenética nº1», Coimbra, 1979.



[1] N. T. Erguer o morto sobre a porta da saída… Costume funerário na Grécia insular de Ritsos e em algumas zonas mais pobres do país, como a Macedónia. Costume ainda em muitos países subdesenvolvidos, é ao mesmo tempo indicador da suprema miséria (ou despojamento) e da suprema dignidade que só readquire com a morte aquele a quem tudo foi negado em vida. Daí: “Ergam-no mais alto ainda…” como diz Y. Ritsos.

02/10/2013

Poesia em sentido estrito é um rito e em sentido lato é 'aquele' acto (dizem)...


"Onde bate mais certa a crítica à personalidade poética é na atribuição aos poetas de um orgulho por vezes insolente. Desconfiai da modéstia e não os acompanhais na auto-crítica. A auto-crítica dum poeta (e porque não de qualquer criador?) é o reconhecimento por ele próprio de que é capaz de fazer melhor – só isso às vezes – mas quando parte dum homem superior e esse reconhecimento é portanto fundado, que censura nos pode merecer? Não é o aperfeiçoamento consciente a condição duma vida bem cheia?
As ideias saíram embaciadas em halos que pareciam resplendores de santos e hoje são nevoeiros baços, a forma mal apropriada, palavras debatendo-se com ideias. Que fazer? Escolho e glória da Poesia! Técnica, ou espantalho a meter medo aos tímidos, técnica ou adorno de que se pode passar, sem falta de dignidade e grandeza para os verdadeiros criadores de formas sem técnica. «Exprimir eis a palavra mágica (que aliás nada explica)», diz Casais Monteiro no seu ensaio «A Realidade Poética». Mais adiante no mesmo ensaio lê-se: «O Poeta ignora. E este ignorar é a chave do seu mais íntimo saber». Mas ignora o quê? Afinal se de facto ignora, se cria seja o que for, a menos que se considerasse inconsciente, advinha ou recorda, mas antes – advinha – pois não pode recordar se ignora. É pois um símbolo de um símbolo a citação de Baudelaire que se nos depara mais adiante no mesmo ensaio: «J’ai de souvenirs comme si j’avais mille ans».
Vulgarmente entende-se por poesia, em sentido lato, quer como substantivo quer na forma adjectivante, qualquer coisa de vago que não se pode explicar bem por palavras e em sentido restrito uma peça pertencente a uma das grandes divisões dos géneros literários, escrita numa forma especial: em verso.
Poesia em sentido lato não é mesmo nada de vago porque tem por objecto coisas que existem embora recém-criadas; a confusão está exactamente em que ele opera sobre dados recém-aparecidos por inexistentes anteriormente.
Poesia no sentido restrito a que nos referimos não é mais do que um conjunto de versos e estes um conjunto de palavras (ou uma palavra ou mesmo um certo número de palavras e parte duma, com se vê numa cantiga de D. Diniz e num poema de António Feijó) com um determinado número de sílabas com determinados pontos do percurso fonético acentuados (um dos caracteres da «musicalidade»), e dizem ainda os mais cautos: formando sentido."

José Blanc de Portugal, “Poeta e poesia”, in Cadernos de Poesia, 2, pp.38-40, 1940.

01/10/2013

A Extração da Pedra da Loucura, Hieronymus Bosch

O JOÃO TOLO

                Havia uma mãe que tinha um filho, que era muito tolo.
                Um dia a mãe mandou o filho lavar umas tripas no mar. As tripas eram muitas, e viu um navio ao longe, que ia fazer uma viagem. Começou a chamar com um pano branco na mão.
                O navio aproximou-se, e os homens que vinham dentro perguntaram-lhe para que era que ele tinha chamado. Ele disse-lhes que era para lhe ajudarem a lavar as tripas. Eles deram-lhe uma grande sova e disseram-lhe que ele devia dizer “Boa viagem! Boa viagem!”.
                Ele foi para casa, disse à mãe o que lhe tinha sucedido. A mãe disse-lhe que ele devia dizer “Haja sangue! Haja sangue!”
                O tolo foi uma vez pela estrada adiante, e entrou numa igreja, onde se estava a celebrar um casamento.
                Ele pôs-se à porta e disse:
                – Haja sangue! Haja Sangue!
                E o noivo, ouvindo dizer isto, pegou num cacete para lhe dar uma coça, e o tolo fugiu, e o noivo disse-lhe que devia dizer “Sejam felizes! Sejam felizes!”.
                Foi outra vez por uma estrada adiante e viu um enterro numa igreja. Pôs-se a dançar, a cantar e a dizer:
 – Sejam felizes! Sejam felizes!
Um convidado aborreceu-se daquele barulho, veio cá fora com um pau, deu-lhe uma cacetada e disse-lhe que ele devia ajoelhar-se e rezar.
Ele foi para casa e disse à mãe tudo. A mãe disse-lhe que ele devia rezar.
No dia seguinte viu um burro a dormir. Ajoelhou-se ao pé dele e rezou por muito tempo.
Veio para casa e disse à mãe o que tinha feito. A mãe disse-lhe que, quando visse o burro a dormir, que lhe espetasse uma faca.
No dia seguinte viu um homem a dormir e disse:
– Deixa, que vou fazer o que a minha mãe me disse.
Puxou de uma navalha e enterrou-lha no peito. Dizendo à mãe o que tinha feito, a mãe, para não ter mais desgostos, meteu-o num hospital de doidos, onde morreu.

Conto Popular Português coligido por Tito Cardoso e Cunha in Fenda/ Magazine Frenética Nº5, Fenda Edições, Coimbra, 1982.