CHILE
a Salvador Allende
Ergam esse belo morto estendido sobre a porta de nogueira.
O preço do cobre subiu já de três cêntimos e meio a libra.
O ferro,
sempre o ferro; o dólar; as botas. Uma caldeira, uma
caldeira,
-
gritou ele –
uma caldeira de alcatrão fervente –gritou ele – para que
afogue
nela as
mãos – mãos estúpidas
com chagas dos cravos – elas não aprenderam ainda a
enrolar-se
à volta de um pescoço. Ergam-no
mais alto ainda ergam o belo morto sobre a porta de
saída[1].
Destino
o mais amargo dos destinos: fazemos deslizar os heróis por
baixo da história
envergonhadamente
neste comboio bem aferrolhado, cheio de beatas, de cestas
dos pescadores,
vazias
com as bandeiras mil vezes enroladas para que ninguém lhes
veja
as
cores
depostas em terra, sobre as pranchas, amarrotadas,
travestidas
nessas trouxas que levam os mendigos enfermos, - e dentro,
uma
pedra. Em cima, sentados,
os três cães cegos e a guitarra vermelha, a guitarra de
peito
feito
de Pablo Neruda.
Atenas,
12 de Setembro de 1973
Yannis
Ritsos com tradução & notas de Luís Nogueira in «Fenda – Magazine Frenética
nº1», Coimbra, 1979.
[1] N. T. Erguer o morto sobre a porta da saída… Costume
funerário na Grécia insular de Ritsos e em algumas zonas mais pobres do país,
como a Macedónia. Costume ainda em muitos países subdesenvolvidos, é ao mesmo
tempo indicador da suprema miséria (ou despojamento) e da suprema dignidade que
só readquire com a morte aquele a quem tudo foi negado em vida. Daí: “Ergam-no
mais alto ainda…” como diz Y. Ritsos.
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