“O tiroliroliro
A
Mãe voltou à carga com o tiroliroliro. Quando se trata do complexo
de inferioridade lusitano, a Senhora não perdoa. «O menino trauteie
lá a cantiguinha tonta», pediu, sorridente. «Qual cantiguinha
tonta?» Fingi-me de parvo para fugir com o rabo à seringa. Os
Andresen-Hastings tinham trazido de Cascais dois casais portugueses
que eu não conhecia, estávamos todos a louvar a beleza nautural do
Gerês, o fim de tarde sereno não convidava a polémica. A Mãe
insistiu.
«A
cantiguinha tonta. Está farto de saber. Lá em cima… Como é
que é o resto?»
«Está
o tiroliroliro, Freddy», acudiu Andresen-Hastings que não entendeu
a manobra de diversão. «Desta vez lembrei-me melhor de uma coisa do
que tu», acrescentou divertido. Tive de fazer a vontade à Senhora e
cantarolei, no meu melhor português
Lá
em cima está o tiroliroliro
Cá
em baixo está o tiroliroló
Juntaram-se
os dois à esquina…
«Chega»,
interrompeu a Mãe. «Vocês não acham extraordinário?», perguntou
virada para as visitas.
Ficaram
todas a olhar para ela, sem perceber. Eu sabia onde ela queria
chegar, mas achei preferível não interferir. Seja o que Deus
quiser,
pensei com os meus botões.
«Cante
lá outra vez. Só os dois primeiros versos», comandou a Senhora.
Obedeci.
«Então?»,
perguntou ela. Senti nos olhares embaraçados perpassar a suspeita de
que a Mãe estivesse gagá. «Já imaginaram como seria esta cantiga
se tivesse sido inventada por um inglês?», perguntou ela. «Eu
digo-vos», continuou sem esperar resposta. Seria assim:
Up
Here is the teeroleeroleero
Down
there is the teeroleerolaw
«E
em espanhol?», acrescentou para esfregar vinagre nas feridas.
«Também vos digo:
Aqui
arriba está el tiroliroliro
Aliá
abajo está el tiroliroló
Continuam
a não achar nada de esquisito? Então eu explico-vos. O inglês e o
espanhol olham o mundo de cima para baixo; o português olha o mundo
de baixo para cima. Não é realmente extraordinário?»
Eu
e os Andresen-Hastings (ela é francesa) ficámos embaraçadíssimos.
Os quatro portugueses não. Riram-se muito, cumprimentaram a Senhora
pela sua perspicácia e começaram a enumerar coisas de marca
estrangeira – desde aparelhos electrodomésticos a bolachas
digestivas – que tinham deixado de comprar assim que elas haviam
passado a ser feitas cá, sob licença. «A qualidade piora logo
imenso», disse uma. «A qualidade e a produtividade são os nossos
calcanhares de Aquiles», sentenciou outro, rolando entre os dedos o
copo de Black Label.
Confesso
que fiquei espantado por se fabricar tanta coisa em Portugal. A fiel
Margarida tinha-me convencido de agora vinha quase tudo de Espanha.”
A.
B. Kotter, “Bilhete de Colares”, Visão, 22 Setembro 1994, p.
97.