21/03/2019

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O tiroliroliro

A Mãe voltou à carga com o tiroliroliro. Quando se trata do complexo de inferioridade lusitano, a Senhora não perdoa. «O menino trauteie lá a cantiguinha tonta», pediu, sorridente. «Qual cantiguinha tonta?» Fingi-me de parvo para fugir com o rabo à seringa. Os Andresen-Hastings tinham trazido de Cascais dois casais portugueses que eu não conhecia, estávamos todos a louvar a beleza nautural do Gerês, o fim de tarde sereno não convidava a polémica. A Mãe insistiu.
«A cantiguinha tonta. Está farto de saber. Lá em cima… Como é que é o resto?»
«Está o tiroliroliro, Freddy», acudiu Andresen-Hastings que não entendeu a manobra de diversão. «Desta vez lembrei-me melhor de uma coisa do que tu», acrescentou divertido. Tive de fazer a vontade à Senhora e cantarolei, no meu melhor português

Lá em cima está o tiroliroliro
Cá em baixo está o tiroliroló
Juntaram-se os dois à esquina…

«Chega», interrompeu a Mãe. «Vocês não acham extraordinário?», perguntou virada para as visitas.
Ficaram todas a olhar para ela, sem perceber. Eu sabia onde ela queria chegar, mas achei preferível não interferir. Seja o que Deus quiser,1 pensei com os meus botões.
«Cante lá outra vez. Só os dois primeiros versos», comandou a Senhora. Obedeci.
«Então?», perguntou ela. Senti nos olhares embaraçados perpassar a suspeita de que a Mãe estivesse gagá. «Já imaginaram como seria esta cantiga se tivesse sido inventada por um inglês?», perguntou ela. «Eu digo-vos», continuou sem esperar resposta. Seria assim:

Up Here is the teeroleeroleero
Down there is the teeroleerolaw

«E em espanhol?», acrescentou para esfregar vinagre nas feridas. «Também vos digo:

Aqui arriba está el tiroliroliro
Aliá abajo está el tiroliroló

Continuam a não achar nada de esquisito? Então eu explico-vos. O inglês e o espanhol olham o mundo de cima para baixo; o português olha o mundo de baixo para cima. Não é realmente extraordinário?»
Eu e os Andresen-Hastings (ela é francesa) ficámos embaraçadíssimos. Os quatro portugueses não. Riram-se muito, cumprimentaram a Senhora pela sua perspicácia e começaram a enumerar coisas de marca estrangeira – desde aparelhos electrodomésticos a bolachas digestivas – que tinham deixado de comprar assim que elas haviam passado a ser feitas cá, sob licença. «A qualidade piora logo imenso», disse uma. «A qualidade e a produtividade são os nossos calcanhares de Aquiles», sentenciou outro, rolando entre os dedos o copo de Black Label.
Confesso que fiquei espantado por se fabricar tanta coisa em Portugal. A fiel Margarida tinha-me convencido de agora vinha quase tudo de Espanha.”

A. B. Kotter, “Bilhete de Colares”, Visão, 22 Setembro 1994, p. 97.

1«Close your eyes and think of England» no original (N. do T.).



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