“Alguns filósofos diziam que a ordem do mundo corresponde aos mecanismos do discurso que tem os seus símbolos mutáveis mas simultaneamente dados e que a bem dizer o ordenamento dos símbolos não dá grande sentido e que tudo não passa de um jogo e de um acaso e de anarquia e processo e desconstrução e intertextualidade etc. mas que o símbolo por si só é no fundo um portador de sentido embora não saibamos bem qual. Mas outros filósofos diziam ainda que os símbolos dos quais o discurso e o mundo são construídos carecem de sentido e que com a ausência de significado desaparece o sujeito e a própria realidade e que a história não passa de um movimento ininterrupto e informe que nada exprime e que tudo é ficção e simulação. E que a decadência do humanismo tinha entrado num beco sem saída precisamente porque tinha conseguido o que tivera a conseguir e tinha imposto os valores que lhes eram próprios a liberdade e o individualismo e o pluralismo e a transparência etc. E que os humanistas estavam a colher os frutos da sua própria sementeira um mundo individualista e interactivo e positivo e translúcido e operacional que se extingue com a sua própria simulação e cuja resolução final é a troca da realidade pela hiper-realidade. E alguns matemáticos diziam que a realidade era uma ilusão e que na realidade tudo não passava de uma construção matemática no cérebro humano que interpreta as frequências vindas de uma outra dimensão qualquer e que esta transcende o espaço e o tempo e que o cérebro é um holograma que reflecte o Universo que por seu lado também é um holograma. E em 1993 uma velha senhora que outrora tinha sido nazi convicta legou o seu cérebro a um laboratório em Copenhaga para que as imagens nele armazenadas fossem projectadas aos seus netos e netas porque nunca tinha sido capaz de lhes relatar a sua vida.”
Patrik
Ouředník,
“Europeana – uma breve história do século XX”, pp. 130-1 ,
Antígona Editores Refractários, Lisboa, 2017.
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