16/12/2015

...

Kafkaniano é estar quase em 2016 e não ter uma tradução do “Locus Solus” em português de Portugal!...
 

14/12/2015

Pormenores de Fósforos...

Pormenor de "Fósforos" Ed. 50kg, 2015.

Pormenor de "Fósforos" Ed. 50kg, 2015.

Pormenor de "Fósforos" Ed. 50kg, 2015.

06/12/2015

...

“O mais curioso é que talvez por não terem mulheres ou por andarem cheios de medo dos professores, se vingavam constantemente uns nos outros, rasgando capas à tesourada, rapando o cabelo aos mais fracos, fazendo trinta por uma linha. Nessas ocasiões soltavam gritos de guerra:
«EFE-ERRE-A... FRÁ
«EFE-ERRE-E... FRÉ
«EFE-ERRE-I... FRI
procurando assim decorar o abecedário.
Longe, nos quintais, os que não andavam de tesoura em punho cantavam para chamar mulher. E, Jesus, era de arrepiar. Ouvia-se a guitarra: gemia tremidos, miudinha, ouvia-se a voz: tinha trinados de ave capada, toda mel e lua cheia. Estava-se, escusado será dizer,

NA CIDADE DOS DOUTORES


José Cardoso Pires, “Dinossauro Excelentíssimo”, pág. 22, Liv. Bertrand, 1973.

"LEPRA"...

A poesia tão igual a uma lepra!
.    .    .    .    .
    .    .    .    .    .

E os poetas na leprosaria
vão vivendo
uns com os outros,
inspeccionando as chagas
uns dos outros.

 

Jorge de Sena
, “Trinta Anos de Poesia”, Editorial Inova, pág. 26, Porto, Dezembro de 1972. 

04/12/2015

...


As mil-maravilhas duma viagem ao reino do Mexilhão em comboio-fantasma!

Monstros, almas penadas, múmias pré-históricas e outras teias de aranha de primeiríssima fancaria (paridas pelo Grande Sono da Razão)!

Cadáveres esquisitos! Videntes à tarefa! Fuças medonhas! Broncossáurios!

Caixöezinhos de surpresas!

Sustos pele-de-galinha e cabelos-em-pé!

Organizadas manifestaçöes espontâneas! Pedintes Voadores (sem rede)!

Discursos em Gótico Ornamentado! Medalhas Comemorativas!

Marchas típicas, procissöes e outras cívicas manifestaçöes de notáveis e mexilhöes!
(trajo de fantasia)

RIR! RIR! RIR!
(fornecem-se dentaduras postiças)

INACREDITÁVEL

Uma câmara de torturar palavras. Um computador maluco! Uma ilha que se transforma em duas casa! Uma camioneta do feitio de um burro (eminentemente bíblico)! Um mostrengo que está no fim do mundo e que morre e ressuscita só para morrer de vez em estátua!

LEILÄO DE ANTIGUIDADES!
(trajo de cerimónia)

KOLOSSAL! ESTRITAMENTE PRIVADO!

Romagem à cartilha do Superdoutor (ou Doutor-entre-os-Doutores, ou Doutor-por-todos-os-lados), o Excelentíssimo Imperador Dinossauro Primeiro, o Bicho-Que-Devora-Palavras!

Excursão à Torre das Sete Chaves, à estátua de bronze, à vírgula caseira, à sala das torturas linguísticas, à amnésia fatal tudo lugares RIGOROSAMENTE HISTÓRICOS!
(trajo de luto)

FIM DE FESTA! DANÇAS NO ARAME! COMES-E-BEBES (PELA MEDIDA GRANDE)! DISCURSOS AO DESAFIO! GRANDES MANOBRAS! LEMBRANÇAS REGIONAIS PARA OS HOMENS DE AMANHÄ E MASCARADAS DE MEXILHÖES PARA OS CADÁVERES-ADIADOS DE HOJE!
(Todos os dias, novas viagens do comboio-fantasma)

Visita guiada à Fábrica dos Doutores, primeira indústria do Reino!

Grandiosos Ventos Históricos! Turismo ao Pó da Sonolência e ao Tanto-Faz-Como-Fez!

Folheto especial para se entender a língua da Comarca, o código democraticamente secreto de sinais convencionais!
(Para ler nas entrelinhas)”


VITOR SILVA TAVARES
(nas Badanas de “Dinossauro Excelentíssimo” de José Cardoso Pires, 5.ª ed., Livraria Bertrand, 1973.)




03/12/2015

"Manifesto Pânico à População das Cidades"...


Não me façam partilhar da vossa fraternidade.
Cheguem para lá o vosso amor...

temei antes pela vossa pele

Quietos

não tremam não gemam não suem

Não salivem Não respirem

Silêncio

Haveis alguma vez sentido o verdadeiro Terror?
E quando crianças? No silêncio dos vossos leitos de infantes inocentes e tenros, alguma vez, audaciosamente, vos perguntastes do Tempo e da Morte?

Calem-se

Não se atrevam

não tornem a insinuar a vossa admiração, o vosso orgulho em me conhecer.


Quem sois vós?

Não vos conheço! Pudesse, embora, a cada uma das vossas formas dar um nome. Poderia até classificar-vos, ordenar-vos, organizar-vos por categorias, dar-vos uma posição, uma relação com o Universo.

Quereriam talvez que vos prestasse esse serviço: seria mais uma vez, um conforto, um descanso, um abandono, talvez até uma Paixão por mim.

Ó seres quase erectos, de sexos equívocos, de todos os sexos (anjos?), de faces amolecidas pela ausência de verdadeiros vícios ou virtudes, que, às vezes, por perigosos instantes, vos iluminais para adquirir feiçöes e corpos quase humanos, livrai-me da vossa companhia.

Protegei a vossa Inocência, a vossa impotência em verdadeiramente vos exaltardes, livrai-vos principalmente de conhecer o exercício obcessivo das actividades infames: o mal, a inteligência, a premeditação de crimes.

A vossa alegria quotidiana e pública, enjoa-me e repetidamente me faz vomitar.

Há milénios que urdo projectos silenciosos e obscuros: o homicídio, um qualquer homicídio redimir-me-ia.

Em breve precisarei de uma arma.

João Damasceno in Pravda 3, ed. Fenda Ediçöes, Outubro de 1985.

Capa: Zepe


"Ode ao gato"...


Os animais foram
imperfeitos,
compridos de rabo, tristes

de cabeça.
Pouco a pouco se foram
compondo,
fazendo-se paisagem,
adquirindo pintas, graça, voo.
O gato,
só o gato
apareceu completo
e orgulhoso:
nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer.


O homem quer ser peixe e pássaro,
a serpente quisera ter asas,
o cachorro é um leão desorientado,
o engenheiro quer ser poeta,
a mosca estuda para andorinha,
o poeta trata de imitar a mosca,
mas o gato
quer ser só gato
e todo gato é gato
do bigode ao rabo,
do pressentimento ao rato vivo,
da noite até seus olhos de ouro.


Não há unidade
como ele,
não tem
a lua nem a flor
tal contextura:
é uma só coisa
como o sol ou o topázio,
e a elástica linha em seu contorno
firme e sutil é como
a linha da proa de um navio.
Seus olhos amarelos
deixaram uma só
ranhura
para jogar as moedas da noite.


Oh pequeno
imperador sem orbe,
conquistador sem pátria,
mínimo tigre de salão, nupcial
sultão do céu
das telhas eróticas,
o vento do amor
na intempérie
reclamas
quando passas
e pousas
quatro pés delicados
no solo,
cheirando,
desconfiando
de todo o terrestre,
porque tudo
é imundo
para o imaculado pé do gato.


Oh fera independente
da casa, arrogante
vestígio da noite,
preguiçoso, ginástico
e alheio,
profundíssimo gato,
polícia secreta
dos quartos,
insígnia
de um
desaparecido veludo,
seguramente não há
enigma
na tua maneira,
talvez não sejas mistério,
todo o mundo sabe de ti e pertences
ao habitante menos misterioso,
talvez todos o acreditem,
todos se acreditem donos,
proprietários, tios
de gatos, companheiros,
colegas,
discípulos ou amigos
do seu gato.


Eu não.
Eu não subscrevo.
Eu não conheço ao gato.

Tudo sei, a vida e seu arquipélago,
o mar e a cidade incalculável,
a botânica,
o gineceu com seus extravios,
o por e o menos da matemática,
os funis vulcânicos do mundo,
a casaca irreal do crocodilo,
a bondade ignorada do bombeiro,
o atavismo azul do sacerdote,
mas não posso decifrar um gato.
Minha razão resvalou na sua indiferença,
o seu olho tem números de puro.

Pablo Neruda 

retirado daqui