13/12/2011

Ante-câmaras...

Camera degli Sposi de Andrea Mantegna (1431-1506)

La Freak Lounge de Zoe Strauss

Dito com aquele respeito… do dó de peito!

Nicanor Sandoval Parra, (São Fabián de Alico, Santiago do Chile, 1914) 



"MANIFESTO

Senhoras e senhores
Esta é a nossa última palavra
- Nossa primeira e última palavra –
Os poetas desceram do Olimpo.

Para os nossos antepassados
A poesia era um objecto de luxo
Mas para nós
É um artigo de primeira necessidade:
Não podemos viver sem poesia.

Diferente de nossos antepassados
- E o digo com todo respeito… -
Nós sustentamos
Que o poeta não é um alquimista
O poeta é um homem como os outros
Um pedreiro que constrói seu muro
Um construtor de portas e janelas.

Nós conversamos
Na linguagem de todos os dias
Não acreditamos em signos cabalísticos.

Ademais, uma coisa:
O poeta está aí
Para que a árvore não cresça torcida.

Esta é a nossa mensagem.
Nós denunciamos o poeta demiurgo
O poeta Barata
O poeta Rato de Biblioteca.
Todos estes senhores
- E o digo com muito respeito…-
Devem ser processados e julgados
Por construírem castelos no ar
Por esbanjarem o espaço e o tempo
Redigindo sonetos à lua
Por agruparem palavra ao azar
Conforme a última moda em Paris.
Para nós, não:
O pensamento não nasce na boca
Nasce no coração do coração.

Nós repudiamos
A poesia de óculos escuros
A poesia de capa e espada
A poesia de chapéu abanado.
Propiciamos a mudança
A poesia a olho nu
A poesia a peito aberto
A cabeça de cabeça descoberta.

Não acreditamos em ninfas nem tritões.
A poesia tem que ser assim:
Uma garota rodeada de espigas
Ou não ser absolutamente nada.

Porém, no plano político
Eles, nossos avós imediatos,
Nossos bons avós imediatos!
Refrataram e se dispersaram
Ao passarem pelo priema do cristal.
Uns poucos se tornaram comunistas
Não sei se foram realmente.
Suponhamos que foram comunistas,
O que eu sei é o seguinte:
Que não foram poetas populares,
Foram uns reverendos poetas burgueses.

Devemos dizer as coisas como são:
Somente um ou outro
Soube chegar ao coração do povo.
Sempre que puderam
Declararam de palavra e de peito

Contra a poesia dirigida
Contra a poesia do presente
Contra a poesia proletária.

Aceitemos que foram comunistas
Mas a poesia foi um fracasso
Surrealismo de segunda mão
Decadentismo de terceira mão,
Tábuas velhas devolvidas pelo mar.
Poesia adjectiva
Poesia nasal e gutural
Poesia arbitrária
Poesia copiada dos livros
Poesia calcada
Na revolução da palavra
Em circunstâncias de poder fundar-se
Na revolução das ideias.
Poesia do círculo vicioso
Para meia dúzia de eleitos:
‘Liberdade absoluta de expressão!’

Hoje nos persignamos perguntando
Para que escreviam essas coisas
Para assustar ao pequeno burguês?
Tempo miseravelmente perdido!
O pequeno burguês não reage
Senão quando se trata do estômago.

Como vão assustá-lo com poesias?!

A situação é a seguinte:
Enquanto eles estavam
Por uma poesia do crepúsculo
Por uma poesia da noite
Nós propugnamos
A poesia do amanhecer.
Esta é a nossa mensagem.
Os resplendores da poesia
Devem chegar a todos por igual
A poesia chega para todos.

Nada mais, companheiros
Nós condenamos
- E o digo com respeito…-
A poesia do pequeno deus
A poesia da vaca sagrada
A poesia do touro furioso.

Contra a poesia das nuvens
Nós contrapomos
A poesia da terra firme
- Cabeça fria, coração ardente
Somos pés-no-chão decididos…

Contra poesia de café
A poesia da natureza
Contra a poesia de salão
A poesia de protesto social.

Os poetas desceram do Olimpo."

Nicanor Parra in “Ex-traídos de Outros Poemas (1950-1968)” trad de António Miranda 

12/12/2011

E foi mais ou menos assim...

XVIII Edição do Mercado Negro na Escola Profissional e Artística Árvore

XVIII Edição do Mercado Negro na Escola Profissional e Artística Árvore

XVIII Edição do Mercado Negro na Escola Profissional e Artística Árvore

XVIII Edição do Mercado Negro na Escola Profissional e Artística Árvore

XVIII Edição do Mercado Negro na Escola Profissional e Artística Árvore

Ma che cosa fai?...



Não tenho vida para livros...



«O Candidato à presidência mexicana. Na feira do livro de Guadalajara, os jornalistas pediram a Enrique Peña Nieto para nomear três livro que tinham influenciado a sua vida. O candidato presidencial do PRI (favorito) só conseguiu apontar "partes da Bíblia".»

08/12/2011

Lançamento da Revista Piolho - Número 7



O lançamento da Revista Piolho 7, ocorrerá no próximo Sábado (dia 10) por volta das 17h00 horas.


Local: no Mercado Negro, Passeio das Virtudes, 14, Escola Profissional e Artística Árvore


PIOLHO Revista de Poesia (na Pluralcores tipografia)
«O crítico enquanto artista falhado é uma figura
vulgar» Spephen Vizinczey
Rodrigo Miragaia (ilustrações), Carlos Nogueira, Rui Azevedo Ribeiro, Francisco Félix, Sylvia Beirute, Sílvia C. Silva, Maria Conceição Caleiro, Pedro S. Martins, A. Pedro Ribeiro, Ricardo Marques, Amândio Reis, Rui Tinoco, Humberto Rocha, A. Dasilva O., Nuno Brito, Pedro Jofre, Fernando Esteves Pinto, Hugo Pinto Santos, Renée Brock, Henrique Manuel Bento Fialho, Sérgio Almeida e António S. Oliveira
fazem mais ou menos por esta desordem este número, o Sétimo. Novembro 2011.

Coordenado por Sílvia C. Silva, Meireles de Pinho (capa e arranjo gráfico), Fernando Guerreiro e A. Dasilva O.

28/11/2011

Manhã com manha de «hètèrònominal»…

I.

PRÓTESE

"Co’a breca da antinomia
Em desuso há seis mil anos
Fabriquei a cartesia
Dos heterónimos manos.

Desvestidos de seus nus,
De pernas muito afastadas,
Duas medidas de mus
(Duas formas co-irmãs)
Masturbam homens de as-
Pecto decente nos
Vãos de escadas.

Antinomia é que é fon,
A é A nunca tem B,
Branco não pode ser preto,
Fica escuro, não se vê
O cavaleiro secreto.

Bom.
O que eu queria era ser um Benito
Dêsses entregues ao fogo
Atados até à nuca
Para nas chamas torrado
Gozar como uma maluca.

Depois de bem antinómico
Fui ao Platão dos Diálogos
E apanhei-lhe os análogos
Diálogos anatómicos

Platão, Platão é que é bom
Pegado a Descartes frito
Cêrca a cabine de som
Em praia de muito apito.

- Y quien más más que Platon
En portuguez o español ?
Pués el beleño Aristol-
Teles: On ai me on.

En Sartre, version francesa
De Heidegger, el buen nazi
Tambien verás la belleza
Que vino de Grécia aqui.

On ai me on por delante
On ai me on por detraz.
La noche se puzo fria
On ai me on. Que será ?

Ni tu ni yo. Solo aquel
De la Bestia Ladradora
Tirado como hidromiel
En la tumba de Eleonora

Inflado com un adobo[1]
Que no se pode tragar
A menos que venga el lobo
Del desierto americano
Com su bolsita de mano
Y su botelha de mar.

- «Vicente! Vicente!»
É o mais que diz o corvo lusitano
Quando o provoca gente que passa,
Passa, não maça
Nem pretende ir morrer a Baltimore
Cum «um grave e nobre corvo dos bons tempos ancestrais»
(Dos bons tempos ancestrais!)
«Num alvo busto de Atena que há por sôbre os meus umbrais»

E a borracha do alcool e dos sais
«No veludo onde a luz tem vagas sombras desiguais»
Já sem pinga de soro para o jôrro sonoro
Do «amanhã também te vais»,
Quando verdade é que êsse bar sujo daquele bairro
                sabujo mais próprio de marujo que de escritor
- Salvo o patrão que mancava e ao balcão se agarrava, dali
                lançando, sempre manquejando, o apêlo famoso de
                macho defeituoso
Que urdia pastoso quando o relógio adrede, um pêndulo
                de parede que mais parecia ferro de mafamede,
Batia com afoite as 11 da noite:
«On time! That´s enough my lords, score no more! I’m
Accursed enough and from afar with such a crew into my
                only mine Elanora’s Bar em Baltimore!
E vou lançar o cão sem o açaime
If you don’t take your mate and go ashore
And ashes and coffins no more!»  
Difícil era ver qual o mais bêbado
E com mais medo de cair ao chão
Ainda que natural que fosse o, de falsete, corvo velho
                grumete,
Dada a posição que ocupava
E não ser a primeira vez que rasgava
O «ar denso como cheio de incenso» até ao tapete
Sem que ninguém ajudasse, sequer por topete.
A o repôr na cantilena
Do peta do ave preta sobre a cabeça da Atena

Também ela mais bêbada, muito mais, do que já estava
Antes de ir para os Estados Unidos,
Nação cuja fundação ergue a Memória
Da maior bebedeira da História. –

Homero, não, nunca quis,
Leva tudo a braço forte
Y a mi no me quiere la muerte
Pois também nunca lhe quiz.

Eurípedes, Sofocles, Esquilo
Tampouco me fazem uso
Todo o trágico recuso
Davam-me cabo do grilo
Que me aperta o parafuso.

Nem do fantomas bretão
A isabelina peça
Co’aquêle «Ser ou não ser…»
(O morrer ou não morrer!)
Creio que seja dever
Nem vejo que seja questão
Nem cristão.

Aos diálogos do grego
Dei forma individual
Sem nunca perder o rêgo
Da cartesia geral.

Êste todo o meu enlevo
E todo o meu enxoval
Ir logo de manhã cedo
Para o hètèrònimal.

De Lógicos e Sofistas
Fiquei todo a abanar
As vezes falta-me o ar.
E sinto coisas sinistras

Bocas roxas de vinho
Mãos penetrando cousas
Brancas como arminho
Sujas como lousas.

E como Platão expulsou
Os poetas da cidade
Mandando que nela só
Falásse a vulgaridade

Eu anónimo e avulso
Aldeão do mundo a haver
Eu o mim de mim expulso
O mim que se vá lamber.

Ninguém na vasta selva
Do mundo inumerável
O veja ou reconheça
Nem ao nível da relva

O basto chão arável,
Nem o Céu imutável,
Tenham sua cabeça

E o anel cabalista
E outras dobras do medo
Que a marujada ensaísta
Me anda a tirar do dedo,

Aqui os digo e confesso,
Aqui os confesso e nego:
Dei muita leitura à vista
E muitas voltas à pista
Mas para bom alquimista
Nunca passei do nigrêdo

Ísis… Osíris… Que lado
Do céu para me fartar?
A quem nasceu desastrado
Que podem os astros dar?

Desvestidos de seus nus,
De pernas muito afastadas,
Duas medidas de mus
(Duas formas co-irmãs)
Masturbam homens de as-
Pecto decente nos
Vãos de escadas.”

Mário Cesariny in “O Virgem Negra – Fernando Pessoa explicado às Criancinhas Naturais e Estrangeiras por M. C. V.”, 2ª ed. revista e aumentada, pp.11-17, ed. Assírio &Alvim, Lisboa, 1996.





[1] adobe

«Ecce» o cometa com aileron...



“Os mistérios nunca vêm à mão
apesar dos cometas de infância
e de um tecto de folhas secas
lacrar em susto os profetas. Volta
e meia o vinho tinge os lábios
com a letra que a Deus embriaga –
mas a chuva desarvora os segredos.
Podia um coração em chamas
fender o espaço sideral: raro
o fruito que depois de comido
volta a ser polpa. E pode uma Palavra
espaventada, desencorar o Frio,
a Clausura? Búzio à Chuva? Eis
o homem oco – e dentro o coágulo”

António Cabrita in “Carta de Ventos e Naufrágios”, p.15, Teorema, 1997.

23/11/2011

Grave, Greve, Grive, Grove, Groove...



CANTIGA DO ÓDIO

O amor de guardar ódios
agrada ao meu coração,
se o ódio guardar o amor
de servir a servidão.
Há-de sentir o meu ódio
quem o meu ódio mereça:
ó vida, cega-me os olhos
se não cumprir a promessa.
E venha a morte depois
fria  como a luz dos astros:
que nos importa morrer
se não morrermos de rastros?

Carlos de Oliveira, in «Mãe Pobre», Coimbra Editora, 1945.

Óleo de Mário Dionísio
(…)
Sim, nós
que depois viemos,
nós, homens dispersos
que a tua voz esperou
e reuniu, recebemos o teu
amor de guardar ódios
se o ódio guardar o amor
de servir a servidão; sim.
Sim, nós homens de hoje e de aqui
de novo dispersos, depois
de um tempo reunidos,
acolhemos dos teus versos
o envio da beleza
magoada e a dor do pensamento.
Aos ombros, cegos, e de cor,
contigo, arrastamos os tempos
e incendiando a treva
incendiaremos o dia

Manuel Gusmão in «A terceira Mão», Caminho, 2007.

Mercado Negro - 8ª Edição