CANTIGA DO ÓDIO
O amor de guardar ódios
agrada ao meu coração,
se o ódio guardar o amor
de servir a servidão.
Há-de sentir o meu ódio
quem o meu ódio mereça:
ó vida, cega-me os olhos
se não cumprir a promessa.
E venha a morte depois
fria como a luz dos astros:
que nos importa morrer
se não morrermos de rastros?
Carlos de Oliveira, in «Mãe Pobre», Coimbra Editora, 1945.
Óleo de Mário Dionísio |
(…)
Sim, nós
que depois viemos,
nós, homens dispersos
que a tua voz esperou
e reuniu, recebemos o teu
amor de guardar ódios
se o ódio guardar o amor
de servir a servidão; sim.
Sim, nós homens de hoje e de aqui
de novo dispersos, depois
de um tempo reunidos,
acolhemos dos teus versos
o envio da beleza
magoada e a dor do pensamento.
Aos ombros, cegos, e de cor,
contigo, arrastamos os tempos
e incendiando a treva
incendiaremos o dia
Manuel Gusmão in «A terceira Mão», Caminho, 2007.
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