“Por vezes, negoceiam
particularmente o bem público; se isto porém é dito publicamente, ofendem-se
porque consideram que se trata de uma ingerência na sua vida particular. Todo o
filho-de-deus é altamente cioso do prestígio da sua vida particular, porque a
vida particular (ou de família) dos filhos-de-deus é quase sempre, de uma ou
outra maneira, pública. Trata-se de uma clarificação importante. Todo o
filho-de-deus tem sempre um motivo público para os seus actos familiares e um
motivo familiar para os seus actos públicos. Todo o filho-de-deus tem vocação
pública, dado que se ocupa e preocupa tanto com os outros; no entanto, o grande
estilo dele, do filho-de-deus, consiste num modo familiar de ser público, um
modo quase sempre tão familiar que é frequente não se saber onde termina o
filho-de-deus público e começa o familiar, o outro limiar, como é óbvio.
Por isso sempre
que o filho-de-deus especializado em fazer faz um
acordo público, é difícil saber se é um acordo público que traz préstimos
particulares ou se é um acordo particular feito de prestações públicas, e o
mesmo acontece sempre que ele, o filho-de-deus, faz todas as outras coisas que
o filho-de-deus faz, as obras públicas feitas por motivos particulares, os
programas de ensino público decretados com intenções particulares, as guerras
públicas movidas para obter vantagens particulares, os jornais públicos cujo
préstimo é relatar sobretudo os prestígios e desprestígios particulares, os
estabelecimentos públicos para ocupações particulares, a assistência pública para
lucros particulares, em suma, os negócios públicos feitos para fins
particulares (ou de família) e os negócios particulares (ou de família) feitos
com meios públicos, e basta.”
Alberto Pimenta in ‘Discursos Sobre o
Filho-de-Deus’, 1ªed, Edições Mortas, Porto, 1995
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