28/01/2020

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Fazem-me perguntas e não posso senão dizer a que ponto todos os homens me parecem fantoches, a que ponto me espanto por ver a vida continuar, e não posso senão dizer que os suicidas são para mim os únicos mortos, os únicos verdadeiramente respeitados. Sobre mim desabam logo interrogações severas. Que diabo espero eu, nesse caso? E é verdade. É verdade que não me matei. O facto aliás nota-se à légua. A qualquer hora do dia se o pode verificar. O infame mais rasca está até em condições de me pôr a mão em cima e desatar a rir. Está certo, não me matei. Mas que prazer podem voçês sentir ante essa observação tão deprimente? Pois estou, estou vivo. Como outro qualquer. Não o digo para me desculpar. Não me matei e se o não fiz não foi por não ter pensado nisso. Anda há bocado. Olhe, dizia eu para comigo, seria coisa duma simplicidade infantil. Punha logo a andar uma data de ideias. E ainda por cima a única testemunha do que isso comporta até sou eu. Não me matei e tudo isso se desfaz num escárnio esmagador. Caríssima mó, não me desandes agora da cabeça. Que estava a dizer? Ah, pois. Dentre todas as ideias a do suicídio é afinal a que distrai melhor um homem. Mas dito isto, vamos lá, silêncio. Matem-se, ou então não se matem. Mas não andem praí a arrastar as vossas lesmas da agonia, esses vossos cadáveres tão antecipados, não mostrem como quem não quer a coisa o enchumaço na algibeira, essa coronha de revólver que irresistivelmente reclama um biqueiro no cu. Não andem para aí, com esse incessante arquejo, a insultar o verdadeiro suicídio. Mais baixo, mil vezes mais baixo do que este que se espanta e pergunta porquê este fogão a gás ou este elevador, é o porco voraz que após compreender a grandeza de semelhante destino vive à sombra da mançanilheira sem jamais adormecer, essoutro que tratando dos negócios a si mesmo reserva uma hora por dia de fúnebre desespero.”

Louis Aragon, “Tratado do Estilo”, pp. 57-8, Antígona, Lisboa, 1995. Trad: Júlio Henriques.

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