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06/08/2013

Da «Cartilha (M/F)aternal»...




“Marialva é o antilibertino português, privilegiado em nome da razão de Casa e Sangue, cuja configuração social e intelectual se define, nas suas tonalidades mais vincadas, no decorrer do século XVIII.
No convencionalismo popular (ou antes pequeno-burguês) marialva é o fidalgo (forma primitiva de «privilegiado») boémio e estoura-vergas. Socialmente será outra coisa: um indivíduo interessado em certo tipo de economia e em certa fisionomia política assente no irracionalismo.”

José Cardoso Pires, “Cartilha do Marialva - ou das negações libertinas”, Editora Ulisseia, p.9, Lisboa, 1967.


“Por sua vez, a Política e a Administração, perdendo o estímulo da crítica activa, desligam-se gradualmente do cidadão, irresponsabilizam-no. Passam a construir uma actividade de clientelas que procuram formas de manutenção desse equilíbrio social à custa de soluções imediatas, de sobrevivência pelo dia-a-dia, como é uso tradicional dos providencialistas e dos caciques locais.”

José Cardoso Pires, “Cartilha do Marialva - ou das negações libertinas”, Editora Ulisseia, p.66, Lisboa, 1967.


“Fatalidade do tempo, a Ciência apresenta-se como desafio irrecuperável às verdades eternas, como heresia ou exibicionismo, aventura que tende a reduzir o homem à máquina sem alma. E a arte como exploração pretensiosa, ou ainda: ocupação para inadaptados. Hollywood, as biografias em série e os comic strips distribuem esse retrato exótico do intelectual: o sábio débil e lunático; Chopin compondo num acesso de fúria enquanto o vendaval lhe destelha a casa; Van Gogh, o pintor de uma orelha por uma prostituta; Bocage, o das anedotas e dos sonetos entre sécias.
Com isto, isola-se o intelectual do convívio comum, recusa-se-lhe o estatuto dos valores colectivos. Melhor dito: propõe-se-lhe uma disfarçada alienação, tolerando-a à margem e enaltecendo-lhe as irresponsabilidades. Dá-se-lhe o lugar dos predestinados ou a condescendência dos ingénuos semiloucos – e fica defendida a sociedade de ideias pelo menos ociosas. E simultâneamente «eternizada» a obra de criação.”

José Cardoso Pires, “Cartilha do Marialva - ou das negações libertinas”, Editora Ulisseia, p.105, Lisboa, 1967.


“Com tantas facetas e quase sempre genialmente expostas, Fernando Pessoa projectou o seu desejo de universalidade com ideias que permitiram explorações posteriores da parte dos pensadores menores que lhe sucederam. O irracionalismo dos passadistas soma D. Sebastião ao Supra-Camões e monta a sua interpretação providencialista da História. Daqui a uma teoria natural das elites («os génios de nascença») é um salto minúsculo e, vai não vai, está declarada a divinização do poder, a aceitação dos predestinados.
Agora, sim, pode falar-se da «missão do Estado que opõe obediência ao espírito de revolta e a renúncia à ambição» e estende-se esta palavra de ordem colectiva à manutenção da ordem doméstica. Bem entendido, Pessoa não foi tão longe. Mas nas viagens e contraviagens que fez no domínio da especulação deixou muitos sinais que os integralistas e outros aproveitaram como padrões de honra na sua restauração do Portugal Antigo.”

José Cardoso Pires, “Cartilha do Marialva - ou das negações libertinas”, Editora Ulisseia, pp.186-7, Lisboa, 1967.