Lisboa,
5 de Maio de 1944 –
No Jardim Zoológico. Um leão
magnífico no cio, e duas leoas, uma absolutamente em menopausa, e
outra ainda válida mas inapetente. E então foi a coisa mais
espantosa que se pode imaginar: aquela força maciça e soberana,
irresistível, a gemer humilhada diante duma fêmea desdenhosa. Os
músculos queriam ter firmeza, mas amoleciam; a juba queria ter
divindade, mas iriçava-se de despeito; o rugido queria ser trovão,
e acabava num ronco libidinoso e pedinte. E no meio desta caricatura
aparecia o sexo, vicioso, pornográfico, inútil e repugnante como
qualquer dos pedaços de carne da alimentação, desprezados pelo
chão da jaula.
De olhos fitos no leão, o meu instinto de animal menos poderoso
acompanhou com ânsia durante largo tempo aquela degradação. E ou
fosse cansaço, ou real entendimento do que significava o meu
triunfo, o que é verdade é que o leão chegou-se a um canto,
deitou-se, e, como que envergonhado de mim, escondeu a cabeça.
Haverá na natureza o sentido do ridículo como em nós?
Miguel
Torga, “Diário
III”,
pp
36-37,
1954,
Coimbra.
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