05/05/2020

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Lisboa, 5 de Maio de 1944 No Jardim Zoológico. Um leão magnífico no cio, e duas leoas, uma absolutamente em menopausa, e outra ainda válida mas inapetente. E então foi a coisa mais espantosa que se pode imaginar: aquela força maciça e soberana, irresistível, a gemer humilhada diante duma fêmea desdenhosa. Os músculos queriam ter firmeza, mas amoleciam; a juba queria ter divindade, mas iriçava-se de despeito; o rugido queria ser trovão, e acabava num ronco libidinoso e pedinte. E no meio desta caricatura aparecia o sexo, vicioso, pornográfico, inútil e repugnante como qualquer dos pedaços de carne da alimentação, desprezados pelo chão da jaula.
De olhos fitos no leão, o meu instinto de animal menos poderoso acompanhou com ânsia durante largo tempo aquela degradação. E ou fosse cansaço, ou real entendimento do que significava o meu triunfo, o que é verdade é que o leão chegou-se a um canto, deitou-se, e, como que envergonhado de mim, escondeu a cabeça.
Haverá na natureza o sentido do ridículo como em nós?

Miguel Torga, “Diário III”, pp 36-37, 1954, Coimbra.

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