07/09/2019

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O «bovarysmo», expressão inventada por Júlio Gaultier, e hoje de uso corrente, pode ser ampliada no sentido de levar ignorantes obstinados à recusa de verdades evidentes, para só admitirem o que a princípio se lhes afigurava seguro e certo. Exemplo: no consultório de um meu amigo apareceu, com um tumor no ouvido, uma mulher que a muito custo, e após grandes instâncias, consentiu em ser lancetada. O ouvido estava cheio de «caca de anjinho» (excremento de criança de mama) que ela pusera na persuasão de que seria mezinha infalível. E era tanta que o médico tirou e lavou com muitíssimo trabalho. Depois da punção, a mulher, tal como lhe assegurava o médico, sentiu-se logo aliviada e observou: – «Afinal eu estava com medo e isto não doeu nada… Sinto-me melhor; bem se vê que a ‘caca de anjinho’ é excelente para estes bichocos…»
Mas o «bovarysmo» pode ir ainda muito longe, levando indivíduos de fraca envergadura intelectual a presumir das forças que a si mesmos atribuem, energias consideráveis, como se dispusessem daquela acção nervosa que é exclusivo apanágio dos heróis.”

M. Teixeira-Gomes, “2.ª Parte de Miscelânea – Carnaval Literário”, pp. 145-146, Livraria Bertrand, 3.ª ed., 1993.

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