“O
«bovarysmo», expressão inventada por Júlio Gaultier, e hoje de
uso corrente, pode ser ampliada no sentido de levar ignorantes
obstinados à recusa de verdades evidentes, para só admitirem o que
a princípio se lhes afigurava seguro e certo. Exemplo: no
consultório de um meu amigo apareceu, com um tumor no ouvido, uma
mulher que a muito custo, e após grandes instâncias, consentiu em
ser lancetada. O ouvido estava cheio de «caca de anjinho»
(excremento de criança de mama) que ela pusera na persuasão de que
seria mezinha infalível. E era tanta que o médico tirou e lavou com
muitíssimo trabalho. Depois da punção, a mulher, tal como lhe
assegurava o médico, sentiu-se logo aliviada e observou: – «Afinal
eu estava com medo e isto não doeu nada… Sinto-me melhor; bem se
vê que a ‘caca de anjinho’ é excelente para estes bichocos…»
Mas
o «bovarysmo» pode ir ainda muito longe, levando indivíduos de
fraca envergadura intelectual a presumir das forças que a si mesmos
atribuem, energias consideráveis, como se dispusessem daquela acção
nervosa que é exclusivo apanágio dos heróis.”
M.
Teixeira-Gomes,
“2.ª Parte de Miscelânea – Carnaval Literário”, pp. 145-146,
Livraria Bertrand, 3.ª ed., 1993.
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