“Coimbra,
6 de Setembro de 1949 – Só me vem roubar tempo e maçar-me.
Mas recebo-o sempre com deferência, e ouço-o com a melhor atenção
que posso. Com todos os seus defeitos, é um leitor. Um homem capaz
ainda de se debruçar sobre um poema, atento e enlevado horas a fio.
A vida levou nos seus braços velozes a calma dos dias passados, que
dava para fazer passeios, pelos campos e pelos livros. Agora reduziu
tudo ao essencial, ao caldo e às batatas, e só verdadeiros heróis,
sujeitos deformados e anacrónicos, têm a necessidade de ler e
meditar. Por isso é preciso acarinhar estes fenómenos. E não tanto
pela arte, que, afinal, se não é precisa não tem nada que fazer no
mundo, mas por eles, que são doentes, diferentes, condenados
paladinos duma causa perdida.”
Miguel
Torga, “Diário V”
2ª ed. Revista, pág. 44, Coimbra Editora, 1955.
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