Gerês,
28 de Julho de 1945
– Thomas
Mann. Os Buddenbrooks.
Um romance, sobretudo uma cultura. A propósito de uma tísica
pulmonar ou de um negociante de cereais, este homem tem artes de nos
meter num tal emaranhado de ideias, de conceitos, de cogitações,
que a vida passa a ter não apenas o seu caudal de lances e de
emoções, mas uma beleza maior, feita da fisiologia íntima do
saber. Eu não sei se qualquer novela de terceira não terá mais vida
física, muscular, um alento possìvelmente mais cotidiano e mais
aliciante. Aquela declaração de amor da Montanha Mágica,
feita através de uma radiografia, ou a descrição da febre tifóide,
aqui, são flores que nascem de uma técnica literária magistral,
mas, mais do que isso, de conhecimentos que hão-de sempre
parecer-nos sagrados e secretos. Ai da humanidade quando de todo as
suas pitonisas e os seus feiticeiros se forem! Com razão alguém
chamou às artistas de cinema as deusas da nossa mitologia. Contudo,
é um belo espectáculo ler um livro assim. Tem a gente a impressão
de que toda a Grécia e toda a Europa se diluíram na caixa de compor
da tipografia.
Miguel Torga, “Diário
III”, pág. 109, 1954, Coimbra.
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