25/07/2019

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A primeira cantora começa: como um pássaro altivo eleva-se subitamente até à alma da chama. O seu grito poderoso baixa e sobe, planando como um pássaro, enquanto os outros voam à volta da estrela como satélites fiéis. Depois, todos os homens, com um grito bárbaro, apenas um, terminam em acordo com a tónica. São os cantos taitianos, os himene.
Ou então, quando se pretende cantar e falar, as pessoas reúnem-se numa espécie de cabana comum. Começamos com uma oração, primeiro recitada por um idoso, conscienciosamente, e de seguida toda a assistência repete o refrão! Depois é a vez de cantar. Outras vezes contam-se histórias que fazem rir. Mais raramente disserta-se sobre questões sérias, fazem-se propostas sensatas.
Eis aquela que ouvi numa dessas noites e que não deixou de me surpreender:
Na nossa aldeia – dizia um velhote –, já há algum tempo que vimos aqui e acolá casas que caem em ruínas, tectos apodrecidos, meios rachados, onde a água penetra se por azar começar a chover. Porquê? Todas as pessoas devem ter um abrigo. Não escasseiam nem a madeira nem a folhagem para confeccionar telhados. Proponho que trabalhemos em conjunto durante algum tempo para construir cabanas espaçosas e sólidas para substituir aquelas que se tornaram inabitáveis. Todos nós daremos sucessivamente a nossa ajuda.
Todos os assistentes, sem excepção, aplaudiram.
Muito bem.
E a proposta do velhote foi aprovada por unanimidade.
«Eis um povo sábio», pensei eu naquela noite ao regressar a casa.
Mas no dia seguinte, quando pedi informações para saber quando começaria a execução dos trabalhos decididos, apercebi-me de que já ninguém pensava no assunto. Respondiam às minhas perguntas com sorrisos evasivos que no entanto traçavam linhas significativas naquelas vastas testas pensadoras. Retirei-me, cheio de pensamentos difíceis de conciliar: tinham tido razão ao não fazerem aquilo que ele tinha aconselhado. Porquê trabalhar? Os deuses de Taiti não fornecem aos seus fiéis seguidores a subsistência do dia-a-dia? Amanhã? Talvez! E de qualquer forma amanhã o Sol irá nascer tal como nasceu hoje, bondoso e sereno. Será isso indiferença, desinteresse ou – quem sabe? – filosofia da mais profunda? Toma cuidado com o luxo, tem cuidado ao tomar o gosto sob o pretexto da prevenção!...”

Paul Gauguin, “Noa-Noa – Estada em Taiti”, pp. 43-45, Publicações Europa-América, 1998. Trad. Jacqueline Medeiros.

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