“A
primeira cantora começa: como um pássaro altivo eleva-se
subitamente até à alma da chama. O seu grito poderoso baixa e sobe,
planando como um pássaro, enquanto os outros voam à volta da
estrela como satélites fiéis. Depois, todos os homens, com um grito
bárbaro, apenas um, terminam em acordo com a tónica. São os cantos
taitianos, os himene.
Ou
então, quando se pretende cantar e falar, as pessoas reúnem-se numa
espécie de cabana comum. Começamos com uma oração, primeiro
recitada por um idoso, conscienciosamente, e de seguida toda a
assistência repete o refrão! Depois é a vez de cantar. Outras
vezes contam-se histórias que fazem rir. Mais raramente disserta-se
sobre questões sérias, fazem-se propostas sensatas.
Eis
aquela que ouvi numa dessas noites e que não deixou de me
surpreender:
– Na
nossa aldeia – dizia um velhote –, já há algum tempo que vimos
aqui e acolá casas que caem em ruínas, tectos apodrecidos, meios
rachados, onde a água penetra se por azar começar a chover. Porquê?
Todas as pessoas devem ter um abrigo. Não escasseiam nem a madeira
nem a folhagem para confeccionar telhados. Proponho que trabalhemos
em conjunto durante algum tempo para construir cabanas espaçosas e
sólidas para substituir aquelas que se tornaram inabitáveis. Todos
nós daremos sucessivamente a nossa ajuda.
Todos
os assistentes, sem excepção, aplaudiram.
– Muito
bem.
E
a proposta do velhote foi aprovada por unanimidade.
«Eis
um povo sábio», pensei eu naquela noite ao regressar a casa.
Mas
no dia seguinte, quando pedi informações para saber quando
começaria a execução dos trabalhos decididos, apercebi-me de que
já ninguém pensava no assunto. Respondiam às minhas perguntas com
sorrisos evasivos que no entanto traçavam linhas significativas
naquelas vastas testas pensadoras. Retirei-me, cheio de pensamentos
difíceis de conciliar: tinham tido razão ao não fazerem aquilo que
ele tinha aconselhado. Porquê trabalhar? Os deuses de Taiti não
fornecem aos seus fiéis seguidores a subsistência do dia-a-dia?
Amanhã? Talvez! E de qualquer forma amanhã o Sol irá nascer tal
como nasceu hoje, bondoso e sereno. Será isso indiferença,
desinteresse ou – quem sabe? – filosofia da mais profunda? Toma
cuidado com o luxo, tem cuidado ao tomar o gosto sob o pretexto da
prevenção!...”
Paul
Gauguin,
“Noa-Noa – Estada em Taiti”, pp. 43-45, Publicações
Europa-América, 1998. Trad. Jacqueline Medeiros.
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