11/07/2019

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“Falava-se numa botica de província (nas capitais já ninguém discorre sobre semelhantes assuntos) de alguns extravagantes artigos da velha farmacopeia. Alguém aludiu ao óleo de lacrau e um campónio, que, por acaso, assistia à conversa, advertiu:
«Pois se fossem precisos lacraus era só dizerem-mo, que lá para os meus sítios não faltam.»
Retorquiu-lhe um dos circunstantes, gracioso encartado:
«Arranje você uma boa canastra deles que aqui o Sr. Crespo compra-lhos.»
«E por bom preço – reforçou com malícia o Crespo, dono da farmácia – mas que venham vivos…»
E todos riram à socapa, o que não escapou ao lapuz, embora não desse sinal de que o notara.
Quando ele saiu houve um coro geral:
«Arre, que é burro!...»
Passado poucos dias volta o campónio com um cesto cheio de lacraus.
«Aqui estão eles.»
«O quê?...»
«Os lacraus.»
«Os lacraus?»
«Sim senhor, e todos vivos como V. S.ª recomendou.»
«Você é parvo, homem, pois você não viu que tudo aquilo era troça e para chuchar consigo…»
«Ah! era troça… então tome-os lá de graça», e despejou-lhe o cesto dos lacraus pelos quatro cantos da casa.
Quando souberam isto os habituais frequentadores daquele centro de má-língua recusaram-se a lá voltar; a freguesia diminuiu consideravelmente, e o Sr. Crespo levou meses a caçar lacraus, antes que se visse livre deles…
Porém onde está a moralidade do conto, que meta filósofos, lapuzes e lacraus, todos juntos?
Isso é com o leitor, não é comigo…

M. Teixeira-Gomes, “2.ª Parte de Miscelânea – Carnaval Literário”, pp. 140-141, Livraria Bertrand, 3.ª ed., 1993.

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