“Falava-se numa botica de província (nas capitais já ninguém
discorre sobre semelhantes assuntos) de alguns extravagantes artigos
da velha farmacopeia. Alguém aludiu ao óleo de lacrau e um
campónio, que, por acaso, assistia à conversa, advertiu:
– «Pois
se fossem precisos lacraus era só dizerem-mo, que lá para os meus
sítios não faltam.»
Retorquiu-lhe
um dos circunstantes, gracioso encartado:
– «Arranje
você uma boa canastra deles que aqui o Sr. Crespo compra-lhos.»
– «E
por bom preço – reforçou com malícia o Crespo, dono da farmácia
– mas que venham vivos…»
E
todos riram à socapa, o que não escapou ao lapuz, embora não desse
sinal de que o notara.
Quando
ele saiu houve um coro geral:
– «Arre,
que é burro!...»
Passado
poucos dias volta o campónio com um cesto cheio de lacraus.
– «Aqui
estão eles.»
– «O
quê?...»
– «Os
lacraus.»
– «Os
lacraus?»
– «Sim
senhor, e todos vivos como V. S.ª recomendou.»
– «Você
é parvo, homem, pois você não viu que tudo aquilo era troça e
para chuchar consigo…»
– «Ah!
era troça… então tome-os lá de graça», e despejou-lhe o cesto
dos lacraus pelos quatro cantos da casa.
Quando
souberam isto os habituais frequentadores daquele centro de má-língua
recusaram-se a lá voltar; a freguesia diminuiu consideravelmente, e o
Sr. Crespo levou meses a caçar lacraus, antes que se visse livre
deles…
Porém
onde está a moralidade do conto, que meta filósofos, lapuzes e
lacraus, todos juntos?
Isso
é com o leitor, não é comigo…
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