14/10/2018

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Coimbra, 14 de Outubro de 1945 Estes novos fazem-me de fel e vinagre, e eu reajo, claro. Mas reajo só por fora. Sou humano, e não é agradável ouvir certos assobios. Por dentro, porém, estou inteiramente com eles. Com quem hei-de estar eu, senão com quem tem a natureza pelo seu lado? Mesmo que façam maus versos e péssima prosa, eles é que têm vinte anos, é que vão trazer ao mundo a sua primavera de agora. E eu, a dizer que não, bebo-lhes as palavras, espreito-lhes os gestos, acompanho-os em todas as suas aventuras, solidário com a verdade que não sabe cantar nem descrever, mas que está espelhada na sua mocidade. Sei, de resto, que a função de uma árvore nova não é dar bons frutos, mas irradiar confiança. No pomar onde já todos os pólens se cruzaram, é ela que traz a virgindade de uma promessa. Às vezes sai cereja bichosa. Paciência. O seu corpo foi morada de uma inquietação, e, enquanto o foi, teve a flâmula azul da vida a drapejar nos seus ramos.
O facto de eu existir, é um argumento sólido para eu não abdicar; mas o facto de um jovem existir ao meu lado, é um argumento para uma conclusão mais sólida ainda: que a própria vida não abdicou, e que é preciso ser-lhe fiel, acompanhando-a na sua esperança..

Miguel Torga, “Diário III”, pág. 128, 1954, Coimbra.

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