A MORTE DO PAI
Toda a mulher adora um fascista…
Sylvia Plath
Aquela parte de mim que adorava um fascista
– ou o adora, quem sabe? –
jaz contigo, jaz contigo.
O túmulo não a espanta. Desde sempre chamada
ao mais escuro domínio,
morre contigo, vive de ti.
Oferenda trémula, sabe apenas seguir-te
e agasalhar-se no teu mal
como no porto mais seguro.
Medusa desossada, o que de mim resta
luta por completar-se
sem ti, longe de ti.
O bisturi vacila. Quem vive mais além?
E como poderei pensar-te
como se eu não fosse tu?
O meu amor sem casa.
A bala que atravessa a sombra do meu amor sem casa
As folhas que cobrem a bala que atravessa a sombra do meu
amor sem casa.
O vento que arranca as folhas que cobrem a bala que
atravessa
a sombra do meu amor sem casa.
Os meus olhos que se agarram ao vento que arranca as folhas
que cobrem a bala que atravessa a sombra do meu amor sem
casa.
O meu amor que se reflecte nos olhos que se agarram ao vento
que arranca as folhas que cobrem a bala que atravessa a
sombra
do meu amor sem casa.
Maria Mercé Marçal, “Quinze Poetas Catalães”, pp. 75-76,
Limiar, Porto, 1994
Tradução de Egito Gonçalves
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