Não posso desesperar da
humanidade. E como
eu gostaria de! Mas como posso
pensar que há povos maus, há maus
costumes?
A américa é detestável. Mas deu –
americanos –
Walt Whitman e Emily Dickinson. Posso
não confiar neles? A Rússia é
detestável. Mas Tolstoi é tão
russo!
São maus os japoneses? Como podem
sê-lo, se têm Kurosawa e o Snr. Roberto
que me vendia hortaliças no
Brasil?
E o meu Brasil tão infeliz amor,
e tão
ridículo? Mas não são os
brasileiros Euclides
e o coração dos meus amigos? E
Portugal, como pode ser mau e
detestável
se mesmo eu que amo sobretudo o
vário mundo,
o amo – ao mundo – como português?
A humanidade e as pátrias são uma
chatice, eu sei.
Mas como posso desesperar delas,
desde que
não sejam para mim o gesto ou as
sardinhas,
o feijão ou o sirloin, ou a terrível capa
dos usos e costumes, da vaidade,
mas uma forma de ser-se humano e
solitário
acompanhadamente?
Madison, 30/10/65
Jorge de Sena, “40 Anos de
Servidão”, p.103, Moraes Editores,2ªed., Lisboa, 1982.
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