01/08/2012


*
                O tom do autor é um facto capital. Através do tom adivinha-se para quem se está a dirigir: imaginemos uma assistência pouco reflexiva, uma multidão, uma pessoa superficial imprescindível de deslumbrar, aturdir ou agitar; ou então imaginemos um indivíduo desafiador, ou as pessoas que praticam a arte de tagarelar, que tudo acolhem, captam, adiantam-se, ainda que anulem tudo quanto foi escrito.
                Poder-se-ia dizer que algumas pessoas jamais pensam na resposta silenciosa do seu leitor. Escrevem para os seres ávidos de admiração.
                O homem, o poeta entregue à sua inconsciência encontra nesta a sua força e a sua «verdade», conta cada vez mais com a estupidez do leitor.

p.30

*
                O conceito de «grande poeta» produziu um grande número de poetas menores do que seria razoável esperar das combinações da sorte.

p.32

*
                Não ser poeta, escritor, filósofo segundo estas idéias mas como se eu tivesse de ser antes contra elas.
                Até mesmo não ser homem.

p.33

*
                Um livro não é mais do que a síntese de um monólogo do seu autor. O homem ou a alma fala por si mesmo; o autor retira algo desse discurso. A eleição depende do seu amor próprio: compraz-se com tal pensamento se odeia o outro.
                O seu próprio orgulho ou os seus interesses deixam acontecer e aquele que gostaria de ser elege o que é.
                Eis uma lei inevitável.
                Se tivéssemos acesso a todo o monólogo poderíamos descobrir uma resposta exacta para esta questão, mais categórica e que pudesse estabelecer a crítica legítima diante de uma obra específica.
                A crítica quando não se limita a opinar segundo o humor, as predileções e os gostos – ou seja, quando não está a falar de si mesma, sonhando como se estivesse a discutir sobre uma obra concreta –, a crítica ao julgar estaria a comparar as pretensões do autor e o que foi realizado. Enquanto o valor de uma obra se funda na relação singular e inconstante entre uma obra e algum leitor; o mérito próprio e intrínseco do autor constitui a relação entre ele mesmo e o seu desígnio. Tal mérito tem relação com a distância a existir entre ambos: são as dificuldades medidas de acordo com o grau de complexidade para acabar com essa empresa.
               
As dificuldades definem-se como uma obra prévia do autor, são o produto do seu «ideal». O trabalho interior antecipa, obsta, coloca em suspenso, lança um repto à obra sensível, a obra dos actos. É aqui o lugar onde o caráter e a inteligência utilizam, em certas ocasiões, a natureza e as suas virtudes, assim como um escudeiro em relação à cavalaria.
                A crítica ideal pronunciar-se-ia unicamente sobre este mérito, já que só é possível exigir de alguém o que foi realizado em vez do que se propôs a realizar. Não é possível julgar uma pessoa senão pelas suas próprias leis, mas sim intervir ela mesma, como se fosse uma operação independente de quem operava, já que se trata de comparar uma obra e um propósito.
                Você gostaria de escrever um livro?
                Conseguiu-o? Qual o ideal que o levou a realizar esta empreitada? A sua proposta era alcançar uma ideia sublime? Desfrutar algum proveito positivo, ou seja, o êxito de público e económico? Talvez perseguisse um objecto indirecto: um determinado grupo de pessoas conhecidas, ou uma delas, cujo interesse seria dirigir-se-lhes através de uma obra destinada ao grande público.
                Quem você pensava distrair? Seduzir ou igualar, ou enlouquecer, ou deixar de reflectir, povoar os seus pesadelos nocturnos? Diga-nos sr. autor, quem o sr. está a servir: o demónio, César ou Deus? Talvez Vénus? Ou todos ao mesmo tempo?
                Esperemos para ver quais são os seus recursos.

pp. 37-39.

PAUL VALÉRY, ‘Apontamentos. Arte, literatura, política & outros’. Ed. Pergaminho, Lx, 1994.

Sem comentários: