*
O tom do autor é um facto capital. Através
do tom adivinha-se para quem se está a dirigir: imaginemos uma assistência
pouco reflexiva, uma multidão, uma pessoa superficial imprescindível de
deslumbrar, aturdir ou agitar; ou então imaginemos um indivíduo desafiador, ou
as pessoas que praticam a arte de tagarelar, que tudo acolhem, captam,
adiantam-se, ainda que anulem tudo quanto foi escrito.
Poder-se-ia dizer
que algumas pessoas jamais pensam na resposta silenciosa do seu leitor.
Escrevem para os seres ávidos de admiração.
O homem, o poeta
entregue à sua inconsciência encontra nesta a sua força e a sua «verdade»,
conta cada vez mais com a estupidez do leitor.
p.30
*
O conceito de
«grande poeta» produziu um grande número de poetas menores do que seria razoável
esperar das combinações da sorte.
p.32
*
Não ser poeta,
escritor, filósofo segundo estas idéias mas como se eu tivesse de ser antes contra elas.
Até mesmo não ser homem.
p.33
*
Um livro não é
mais do que a síntese de um monólogo do seu autor. O homem ou a alma fala por
si mesmo; o autor retira algo desse discurso. A eleição depende do seu amor
próprio: compraz-se com tal pensamento se odeia o outro.
O seu próprio
orgulho ou os seus interesses deixam acontecer e aquele que gostaria de ser elege o que é.
Eis uma lei
inevitável.
Se tivéssemos
acesso a todo o monólogo poderíamos descobrir uma resposta exacta para esta
questão, mais categórica e que pudesse estabelecer a crítica legítima diante de
uma obra específica.
A crítica quando
não se limita a opinar segundo o humor, as predileções e os gostos – ou seja,
quando não está a falar de si mesma, sonhando como se estivesse a discutir
sobre uma obra concreta –, a crítica ao julgar estaria a comparar as pretensões
do autor e o que foi realizado. Enquanto o valor de uma obra se funda na
relação singular e inconstante entre uma obra e algum leitor; o mérito próprio
e intrínseco do autor constitui a relação entre ele mesmo e o seu desígnio. Tal
mérito tem relação com a distância a existir entre ambos: são as dificuldades
medidas de acordo com o grau de complexidade para acabar com essa empresa.
A crítica ideal
pronunciar-se-ia unicamente sobre este mérito, já que só é possível exigir de
alguém o que foi realizado em vez do que se propôs a realizar. Não é possível
julgar uma pessoa senão pelas suas próprias leis, mas sim intervir ela mesma,
como se fosse uma operação independente de quem operava, já que se trata de
comparar uma obra e um propósito.
Você gostaria de
escrever um livro?
Conseguiu-o? Qual
o ideal que o levou a realizar esta empreitada? A sua proposta era alcançar uma
ideia sublime? Desfrutar algum proveito positivo, ou seja, o êxito de público e
económico? Talvez perseguisse um objecto indirecto: um determinado grupo de
pessoas conhecidas, ou uma delas, cujo interesse seria dirigir-se-lhes através
de uma obra destinada ao grande público.
Quem você pensava
distrair? Seduzir ou igualar, ou enlouquecer, ou deixar de reflectir, povoar os
seus pesadelos nocturnos? Diga-nos sr. autor, quem o sr. está a servir: o
demónio, César ou Deus? Talvez Vénus? Ou todos ao mesmo tempo?
Esperemos para ver
quais são os seus recursos.
pp. 37-39.
PAUL VALÉRY, ‘Apontamentos. Arte, literatura, política & outros’.
Ed. Pergaminho, Lx, 1994.
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