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01/08/2012


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                O tom do autor é um facto capital. Através do tom adivinha-se para quem se está a dirigir: imaginemos uma assistência pouco reflexiva, uma multidão, uma pessoa superficial imprescindível de deslumbrar, aturdir ou agitar; ou então imaginemos um indivíduo desafiador, ou as pessoas que praticam a arte de tagarelar, que tudo acolhem, captam, adiantam-se, ainda que anulem tudo quanto foi escrito.
                Poder-se-ia dizer que algumas pessoas jamais pensam na resposta silenciosa do seu leitor. Escrevem para os seres ávidos de admiração.
                O homem, o poeta entregue à sua inconsciência encontra nesta a sua força e a sua «verdade», conta cada vez mais com a estupidez do leitor.

p.30

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                O conceito de «grande poeta» produziu um grande número de poetas menores do que seria razoável esperar das combinações da sorte.

p.32

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                Não ser poeta, escritor, filósofo segundo estas idéias mas como se eu tivesse de ser antes contra elas.
                Até mesmo não ser homem.

p.33

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                Um livro não é mais do que a síntese de um monólogo do seu autor. O homem ou a alma fala por si mesmo; o autor retira algo desse discurso. A eleição depende do seu amor próprio: compraz-se com tal pensamento se odeia o outro.
                O seu próprio orgulho ou os seus interesses deixam acontecer e aquele que gostaria de ser elege o que é.
                Eis uma lei inevitável.
                Se tivéssemos acesso a todo o monólogo poderíamos descobrir uma resposta exacta para esta questão, mais categórica e que pudesse estabelecer a crítica legítima diante de uma obra específica.
                A crítica quando não se limita a opinar segundo o humor, as predileções e os gostos – ou seja, quando não está a falar de si mesma, sonhando como se estivesse a discutir sobre uma obra concreta –, a crítica ao julgar estaria a comparar as pretensões do autor e o que foi realizado. Enquanto o valor de uma obra se funda na relação singular e inconstante entre uma obra e algum leitor; o mérito próprio e intrínseco do autor constitui a relação entre ele mesmo e o seu desígnio. Tal mérito tem relação com a distância a existir entre ambos: são as dificuldades medidas de acordo com o grau de complexidade para acabar com essa empresa.
               

17/02/2012

Impressões...

Montagem fotográfica obtida segundo indicações de Álvaro Lapa, a partir da sua fotografia realizada por Luís Palma, 1994.


ÁLVARO LAPA IMPRESSÕES DA LUSITÂNIA

ENDOVELICO (deus do fogo?) (incerto). Deus dos curas (quase). Deus das curas. Esculápios dos celtas? Em pleno Alentejo em plena Mesopotâmia o Santuário de Endovelico ficava alto. Des Deus Endovellicus! Um deus alentejano. Onde está, antigamente estava / Aquele templo sumptuoso e rico / Do Deus Cupido, e que então chamava / O romance vulgar Endovellico[1]. Corresponda a Apolon ou não corresponda.

                S’Miguel da Mota. Alandroal 1890 ido. Homens animais etc. Pedras escavadas em forma de pia. Restos dum deus. Restos dos cultos. Era um E. Muito muito bom. Very very Gwell. Um monte santo.

                (Entrava o porco. Ou a porca. São deuses ctónicos. São deuses médicos.) Baudelaire não aproveitou. Um outro hemiplégico veio a curar-se. Que parece cão. Via nos sonhos. Sonhos da Terra. A Tenríssima curandeira. Segundo determinação avernal. Com inscrições versificadas. E todo o outeiro era sagrado. Misturas de arqueologia e de história. Que significa «segundo o que se Prometeu». Segundo o Yi-King. Espírito da música.

                Há uma encantadora historieta acerca de Confuncio. Uma vez o seu discípulo preferido ouvia-o tocar e ficara cheio de medo e disse-lhe: «O mestre hoje tem pensamentos de assassino.» Isto sucedia enquanto Confuncio observava uma aranha a tecer a teia à volta duma mosca, e por isso ele expressava o que via por movimento das cordas. A habilidade de seguir a música do mestre era tão grande que lhe entendia a emoção; mas não conseguia compreender a causa e apenas percebia que havia pensamentos de assassino misturados. Não era capaz de determinar era se esses pensamentos eram do assassino de homens ou de moscas. Música da terra. Música das transformações. Ocos dum órgão numa sala gigante sob o outeiro ouve-se os martelos. Soa por indigível. Ouvia-se nos sonhos. A voz própria boca de ninguém lábios de Yin ave de arribação. Ou uma pombinha ofertada a Endovellicus. Brûle san satyre. Que Gauguin leu «Mais depuis mon arrivée à Paris la vie que je mène est si peu gaie!» Vivam os canibais. De outro hemisfério. Leite de Vasconcelos. Olhando o Paraíso. Eu ouvi dizer – disse o galego Zoar – que é preciso cruzar os braços sobre o peito e as costas do doente, não sei se isso adianta para as crianças. Um paraíso barroco com o Minho. Floresta de folhas verdes como luz. Lago de Sol. Carne de papel.

Álvaro Lapa
In ‘A Phala’, n.º 39, Setembro, Assírio & Alvim, Lx, 1994.



[1] Braz Garcia Mascarenhas