02/01/2015

...


I

Entre os homens e as humanidades,
de mim mesma alheada, cambaleio
a bordo de conceitos que não colam
e de esmolas que já não me alimentam.
À deriva, faço vénias, faço figas
– longo jogo da macaca nos passeios,
breve jogo da glória nas calçadas
ou da mão que ainda bate morta
mas não toca àquela porta
por ter medo da batota.

Se mulher entre os homens, quase vírus,
se homem entre fêmeas, mutilada
se menina entre adultos, quase bicho
se adulta entre crianças, acossada.

Por isso me lançam à sarjeta,
me atiram às urtigas e eu me coço,
recordando a doçura de hortelã
que sarava quando ardia este meu corpo.

Regina Guimarães, “Lady Boom – as rainhas”, p. 3, ed. Hélastre, Porto, 2009.





REPÚBLICA

Despido o orgulho obscuro
da noite boa conselheira,
algo paira mais leve:
uma aura sem disfarce de aurora,
uma ruga de sorriso longe da boca,
uma mão plantada onde fora árvore
e um cheiro de lençol no mastro da bandeira.

Se aceito sem escolha de arma,
este duelo, este dueto de rajadas,
onde sou testemunha e adversária,
é por natura me ter avariado
até me tornar inelutável,
lutadora,
vária.

Regina Guimarães, “Cantigas de Amigo”, p. 18, ed. Hélastre, Porto, 2009.


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