18/08/2010

Escritores Esquecidos 6


António Manuel Almeida Mattos, Fafe em 1944

Raiz ou flor assim eram palavras
de tuas mão abrindo como trigo
A madura semente mas estéril
por força dessa voz que vem de longe

E cada vez mais fundas se raízes
E cada vez mais belas se eram flores

Na sombra desses dias que te espero
o mar talhou as grutas onde o eco
das palavras que grito se perdeu

Porque as palavras não geraram gestos
Porque as semente não geraram frutos


Almeida Mattos in "Golpe de Sol na Lucidez Amarga", Brasília Editora, 1985, p.32.



Só te darei um ritmo de ternura
por esta ausência súbita inconstante
roendo-se por dentro insatisfeita
de sempre pré ausente mareante
de verde e algas cheiros bons da terra

Pássaro preso em asas de loucura


Almeida Mattos in "O Quinto Elemento", Editorial Caminho, 1987, p.37.


Bibliografia Principal:
  • Golpe de Sol na Lucidez Amarga, Edições Brasília, col. poesia de Autores Portugueses /20, Porto, 1985.
  • O Quinto Elemento, Editorial Caminho com pref. de Óscar Lopes e desemhos de Jaime Azinheira, col. Caminho da Poesia, Lisboa, 1987. (Prémio José Régio AEFCUP 1986)
  • Palavras: Poetas Portugueses Contemporâneos, Átrio, col. (Harpa /11), Lisboa, 1988.
  • Conjunto Presente, Edições Afrontamento, col. Poesia, Porto, 1991.
  • Canção de Guerra e Outros Poemas Seleccionados: 1960-1985, Edição de Autor, Graf. Gouveia, 1991.
  • Cantos do Meu Cantar, Edição de Autor, Graf. Gouveia, 1992.
  • Antologia de Poetas do Concelho de Gouveia (org.), 3 Volumes, Novel Gráfica, Viseu, 1997-2000.

13/08/2010

Escritor de um livro só



Luís de Sousa Costa (1932-1986) no filme Veredas de João César Monteiro

"32

A rapariga destinada tinha o rabo fino. Usava peitilhos duros para disfarçar um ou outro seio maior. Falava línguas para excitar a idade dos homens. Humedecia. A água crescia muito na boca. Mostrava nas poucas esquinas toleradas. Tinham patente a sujidade desses bairros. Vinham velhos de lixo na barba e securas de boca. Grandes periferias da cidade imensa no meio. Ela dava no peditório todas as humanidades para esse fim. Na água pela barba escorrida, vinham-se gratos. Imitavam, no original, o reconhecimento, solidário. Ao fim do mês quotizavam." (59:1999)


Bibliografia:
  • Cancioneiro Policial da Menina Alzira, Moraes Editores, 1977.
  • Cancioneiro Policial da Menina Alzira, 2ªed., Fenda, 1999.





10/08/2010

Escritores Esquecidos 5

Egito Gonçalves / Luís Veiga Leitão /Papiniano Carlos



Egito Gonçalves, Luís Veiga Leitão, Papiniano Carlos, António Rebordão Navarro, Ernâni Melo Viana e Daniel Filipe dirigiram a revista Notícias do Bloqueio (1957-61). Ficaram conhecidos como os Poetas Neo-Realistas Portuenses... E pela sua combatividade por - a Geração de 50.

José Egito de Oliveira Gonçalves (1920-2001)

DE QUE FALO!

Falo das ruas e do amor,
do teu ventre sobre os lençóis,
falo da cidade que amo
onde a conjura amadurece.

Falo dos papéis que se rasgam
na hora do primeiro alarme,
da mão aberta para a esmola
onde germinará a vingança.

Falo do sangue de desejo
que abre em mim quando sorris,
e do carvão e da lareira
onde o combate aquece as mãos.

Falo dos motores que já vibram
na expedição contra o anátema
e dos dentes com que mordisco
os intervalos do teu riso.


Egito Gonçalves in "Sonhar a Terra Livre e Insubmissa...", p.28, 1973.


Bibliografia (Incompleta):
  • Poemas para os Companheiros da Ilha, 1950
  • Um Homem na Neblina, 1950
  • A Evasão Possível, 1952
  • O Vagabundo Decepado, 1957
  • A Viagem com o Teu Rosto, 1959
  • Memória de Setembro, 1959
  • Diário Obsessivo, 1962
  • Os Arquivos do Silêncio, 1962
  • O Fósforo na Palha, 1970
  • O Amor Desagua em Delta, 1971
  • Luz Vegetal, 1975
  • Poemas Políticos (1952-1979), 1980
  • Os Pássaros Mudam no Outono, 1981
  • Falo da Vertigem, 1983
  • Dedikatória, 1989
  • E no Entanto Move-se, 1995
  • O Mapa do Tesouro, 1998
  • A Ferida Amável, 2000
e ainda as Antologias e edições póstumas:
  • A Palavra Interdita, 2001
  • O Pêndulo Afectivo - Antologia Poética 1950-1990, 1991
  • Entre Mim e a Minha Morte há Ainda um Copo de Crepúsculo, 2006
Foi fundador e/ou director de diversas revistas literárias: A Serpente (1951); Árvore (1952-54); Notícias do Bloqueio (1957-61); Plano (1965-68) do Cineclube do Porto e da Limiar.



Luís Veiga Leitão (1915-1987) (Pseud. de Luís Maria Leitão)

RESISTÊNCIA

Não. Digo à explosão de ameaça
e à rapada paisagem do desterro.
E não. Digo à minha carcaça
encalhada em bancos de ferro
e ao cordame dos nervos, fustigado,
a ranger no silêncio a sós:
Por cada nervo quebrado
que se inventem mais nós.


Luís Veiga Leitão in "Sonhar a Terra Livre e Insubmissa...", p.48. 1973.


Bibliografia Principal:

  • Latitude, 1950
  • Noite de Pedra, 1955
  • Ciclo de Pedras, 1964
  • Livro de Andar e Ver, 1976
  • Linhas do Trópico, 1977
  • Longo Caminho Breve. Poesias Recolhidas (1943-1983), 1985
  • Livro da Paixão, 1986
e ainda as Antologias e edições póstumas:
  • Biografia Pétrea, 1989
  • Rosto por Dentro, 1992
  • Obra Completa, 1997



Papiniano Manuel Carlos de Vasconcelos Rodrigues (1918)

IMPROVISO NA MORTE DO SEMEADOR

Carregavas em teus ombros um navio
de relâmpagos, em teu coração a pedra
e a voz das cidades insubmissas.

Levavas em teu rastro uma aurora
de espigas, em teus lábios as palavras
que não temem fogo, frio ou morte.

Submerso no ódio e no terror, chegavas
em cada noite e, feroz, reconstruías
uma vez mais a esperança.

A terra semeavas e, por amá-la tanto,
(transforma-se o amador na coisa amada)
és agora, ó semeador, a própria semente
oculta e violenta.


Papiniano Carlos in "Sonhar a Terra Livre e Insubmissa...", pp.68-69, 1973.



Bibliografia Principal:
  • Esboço, 1942 (poesia)
  • Ó Lutador, 1944 (poesia)
  • Poema da Fraternidade, 1945
  • Estrada Nova - cadernos de poesia, 1946 (apreendido pela PIDE)
  • Terra com Sede, 1946 (ficção)
  • Mãe Terra, 1948 (poesia)
  • As Florestas e os Ventos - contos e poemas, 1952
  • Caminhemos Serenos, 1957 (poesia)
  • Uma Estrela Viaja na Cidade, 1958 (poesia)
  • A Rosa Nocturna, 1961 (crónicas)
  • A Menina Gotinha de Água, 1962 (infantil)
  • A Ave Sobre a Cidade, 1973 (poesia)
  • O Rio na Treva, 1975 (romance)
  • Luisinho e as Andorinhas, 1977 (infantil)
  • O Cavalo das Sete Cores e o Navio, 1980 (infantil)
  • O Grande Lagarto da Pedra Azul, 1989 (infantil)
  • A Viagem de Alexandra, 1989 (infantil)
Colaboração dispersa nas revistas Seara Nova, Vértice, Bandarra e Notícias do Bloqueio.





Um Exemplar de Notícias do Bloqueio




04/08/2010

Poeta resgatado ao esquecimento...

Graças a Luís Amorim de Sousa amigo de longa data de Alberto de Lacerda é possível resgatar este poeta de um certo esquecimento... o que era uma enorme injustiça. Luís Amorim de Sousa é responsável pela Colecção Alberto de Lacerda editada pela Assírio em conjunto com a Fundação Mário Soares.
  • Alberto de Lacerda,O Pajem Formidável dos Indícios, Assírio & Alvim - Fundação Mário Soares, Lisboa, 2010.
  • Luís Amorim de Sousa, Às Sete no Sa Tortuga - um retrato de Alberto de Lacerda, Assírio & Alvim - Fundação Mário Soares, Lisboa, 2010.

23/07/2010

A vida a pontapés...


Houve uma altura, no tempo em que se podia fumar nos comboios, que era "divertido" ir na parte de fora do comboio... Como também era "diversão" quando dois comboios se cruzavam dar pontapés para acertar nos penduras. Atesta esse divertimento o seguinte poema do José Blanc de Portugal.



NOVOS ESTUDOS BRASILEIROS E NÃO SÓ

1

O BRINQUEDO PERIGOSO OU OS PINGENTES DA PIEDADE

Em 29 de Maio deste ano de mil novecentos e setenta e quatro, na Piedade, Guanabara, encontraram-se dois trens; um, o passador, de Deodoro para o Rio; outro, de tarifa especial, directo, vindo de Nova Iguaçu; ambos se destinavam ao Rio; para D. Pedro II; para a Central. Pontapés entre pingentes que se cruzavam nos trens originaram quedas: 8 mortos e mais de uma dezena de feridos. Os leitores de O Globo (5.ª feira, 30-5-1974) opinam sob o título: «O Brinquedo perigoso».

Todos caímos de comboios que se cruzam
Como os pingentes dos trens da Piedade
- O nome da terra lhes deu a última verdade:
O fim das vidas que pouco ou muito se usam.

O jogo de viver e morrer a pontapés
Começa cedo já: dentro do ventre materno
Senhor Cristo que é do vosso Lava-pés?
Assim tereis salvo anjos do Inferno?

Maria Cristina Nogueira disse, bem pensante,
Que «eles» achavam «divertido» e «que se pode fazer?»
Vinte e um anos; é estudante
E não teve mais para dizer.

Manuel de Sousa, aposentado, sexagenário,
Declara que, «no seu tempo», «não havia disso não»!
«Querem mostrar que são homens, mas, pelo contrário,
Como se homem precisasse mostrar a sua condição»!

Rita de Cássia, dezassete anos, estudante, enfim,
Acha que é «vontade de aparecer. Só pode ser».
A vida é pra ser mostrada, sim;
Que toda a gente veja o que ela tem pra ver.

António Bento, trinta e um anos, operário,
Nota que «é costume e a viagem fica mais divertida assim».
Para quê mais um aniversário?
A vida pode ter este ou qualquer fim.

João Luís de Oliveira, comerciante, cinquentão,
Opina que se «malucos» eles parecem ser
É apenas porque eles, «coitados», não
Têm mais nada que fazer.

Jussara Gomes, dezasseis anos, estudante,
Joga no fulgor da ilusão:
Acha que chega, é bastante,
«No fundo» querem «chamar a atenção».

Do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem
Diniz Vieira, de quarenta e oito anos, funcionário é;
E diz apenas dos azares da vida na viagem
Que «falta de atenção das autoridades é que não, não é!»

José da Cruz, contínuo, idade oito mais trinta, é avisado.
Comenta que é perigoso o brinquedo, embora
Como «lá dentro é empurra-empurra danado»,
Sempre é bem «mais fresquinho lá fora»...

Outro Cruz, António, motorista, de cinquenta e cinco,
É um realista peremptório e delicado:
«Houvesse mais trens», não «eu não brinco,
Já de fora não ia o cidadão dependurado».

Pedro Santos, anos cinquenta e três e funcionário,
Tem os motivos e até a solução:
«São meninos a bancar o extraordinário»;
Falta «a campanha da educação».

Joaquim de Carvalho passa dos quarenta e é borracheiro,
Tem a última palavra no jornal da hora:
Toda a manhã vai cheio o comboio inteiro
«Às vezes é melhor mesmo ir do lado de fora»!

Carvalho, borracheiro, 'inda acrescentou:
...«Apesar dos riscos»...
_____Falou!
(A moral da estória
Fica nos limbos da memória...)


Rio, 30-5-74

José Blanc de Portugal, Descompasso, Moraes Editores, pp.54-56, Lx, 1986.

22/07/2010

Por causa de um inquérito que confirma o meu espírito estruturalmente desobediente - lembrei-me deste poema

DESTA MANEIRA FALOU ULISSES...

Falo por mim, e por ti me calo
De modo que fica tudo entre nós
Literatura que faço, me fazes
ó palavras! - mas eu onde estou ou quem?

É isto falar, caminhar? ("Ως ἐραὺ) - Volto
para casa para a pátria pura página
interior onde a voz dorme o
seu sono que as larvas povoam

Aí, no fundo da morte, se celebram
as chamadas núpcias literárias, o encontro do
escritor com o seu silêncio. Escrevo para casa
Conto estas aventuras extraordinárias

Manuel António Pina in "Ainda Não é o Fim / Nem o Princípio do Mundo /Calma / É Apenas um Pouco Tarde" ed. Erva Daninha, p.23, 1982, Porto.



21/07/2010

Dos tipos móveis...




A Oficina do Cego editou Isilda e a Mudez dos Códigos de Barras versão de Isilda e a Nudez dos Códigos de Barras de Manuel de Freitas. Agora em caracteres móveis e com ilustrações em ornatos de Manuel Diogo e Luís Henriques. 250 exemplares numerados e assinados pelos autores.

Uma homenagem neste deserto...



Levi António Malho




O Deserto da Filosofia, Edições Rés, Porto, 1987.
O Signo de Orfeu - Requiem por uma Estética Insular, Edições Afrontamento, Porto, 1984.


Co-incidências



e vice-versa...

Domingos Monteiro e Camilo Castelo Branco



20/06/2010

Escritores Esquecidos 4

Alberto de Lacerda (1928-2007)

ROBERT BRESSON

E súbito
No meio de partículas
Fortíssimas
Do mal
Surgiram as mãos honestas
Da mulher arrancando
Batatas
Da terra

A bondade sem medo
Da velha que se deixa acompanhar
Do jovem assassino
Até à pouco
Inocente

Dois desconhecidos

Olhar profundo
Entre mãe e filho
Que não são

São dois desconhecidos
Que o acaso aproximou
Há dias
Arrancando juntos
Batatas
Da terra indiferente

Londres, 19 de Janeiro 1991 in "Átrio", Imprensa Nacional - Casa da Moeda, p.102, 1997.

------------------------------------------
Elefante


Não me aparecera ainda num poema


E surge a tromba


É um começo

Londres, 23 de Janeiro 1991 in "Átrio", Imprensa Nacional - Casa da Moeda, p.103, 1997.



SETE POEMAS

Só ficarão talvez sete poemas
De toda esta agonia caos e luto
(Amor eterno a que negaram fruto,
Não por estéril, mas por ínvias penas);

As alegrias grandes e pequenas,
Não do amor sòmente, rosto enxuto,
Foram raras, foi alto o seu tributo;
Secou a angústia as lágrimas serenas.

Fome, fome de pão, fome de amor,
Quebrou-me o píncaro de plenitude
A que só raro ergui asas de alvor.

Versos puros em vez de juventude?
Antes a vida, a luz o seu esplendor.
Versos? Paguei-os. Agonia e luto.

Alberto de Lacerda in "Exílio", Portugália, pp.94-95, 1963.



BIBLIOGRAFIA
1955 - 77 Poemas
1961 - Palácio, ed. Delfos.
1963 - Exílio, Portugália Editora.
1969 - Selected Poems
1981 - Tauromagia
1984 - Oferenda I, INCM-Imprensa Nacional Casa da Moeda.
1987 - Elegias de Londres, INCM-Imprensa Nacional Casa da Moeda.
1988 - Meio-dia
1991 - Sonetos
1994 - Oferenda II, INCM-Imprensa Nacional Casa da Moeda.
1997 - Átrio, INCM-Imprensa Nacional Casa da Moeda.
2001 - Horizonte, INCM-Imprensa Nacional Casa da Moeda.
???? - Mecânica Celeste




Escritores Esquecidos 3




José Blanc de Portugal (Lx, 1914 - 2000)

IX. 5
ÚLCERA CRÍTICA
(auto - e hetero-crítica)






Todos querem ser o que não são
E eu à regra não faço excepção.
Se acontece que eu mil vezes mudo
É só por querer depressa ser tudo
Tudo, entendamos exclui meio milheiro...
Em especial: académico e banqueiro.
Um porque sabe a mais o que é de menos
O outro sofre muito se os lucros são pequenos!
Ambos, porque sim e porque não
Esses querem bem ser o que são...
Admiro até, porém, as linhas rectas

Mas geometria é realmente coisa de poetas
Que eu entorto em letras p'ra fazer um dístico
Capaz de fazer passar até por aforístico
Mas nem sorte alguma.
Puras agulhas de pinheiro, simples caruma
secas como as rectas da geometria
-A grande irmã secreta da poesia-
Que faz as úlceras dos críticos

Em seus comentários analíticos...


22.2.67
José Blanc de Portugal in "Enéadas - 9 Novenas", INCM, col. Biblioteca de Autores Portugueses, p.10, 1989.