J. O. Travanca-Rêgo (1940-2003)
SUBSTÂNCIA
Perdeu-se, perdeu-se talvez a vida
no que ela tinha de válido –
no que ela tinha de grande:
No que ela tinha de próprio,
como (de um corpo) é próprio
ter cabeça membros tronco
e a alma de um gigante
com asas para o infinito!
- Um desespero GLORIOSO…
Recomeço eu escrevendo,
como quem num adjectivo
fosse encontrar o perdido –
sua alma omnipresente,
tão leve como alguns ventos
quando são sopro da Vida…
Mas, lembro-me logo:
“Os adjectivos são acidentes,
- diz Margarida, amiga minha,
na senda do Aristóteles -:
Não implantam dentro ao Homem,
a semente que lhe escapa…
E apenas por fora pintam
umas asas que não abrem
no seu tronco que vai cego
como um Ícaro perdido!”
Olha que não, olha que não
- redigo eu inconformado -:
De desespero, estou farto:
de desespero simples como o dos cães,
sem duas pernas
– sentados…
Agora se for GLORIOSO, e com maiúsculas escrito,
talvez alma dê-me um pouco –
dê-ma de novo e eu possa
gozar da vida a substância,
como antes de ter perdido
o que era grande (ou era louco):
- Umas asas de gigante,
minha alma sem distância
do Longe e do Invisível!
Travanca-Rêgo, Da Poesia: dois segmentos, pp. 18-19, Black Sun Editores, Lx, 1999.