QUEM SOU?
Quando penso que sou o que não sou,
quando penso que fui o que não era,
é que sinto não estar ainda onde estou.
E não estar, meu Deus, oh!, quem pudera.
Mas só tu e eu sabemos quem muito amou,
o que terei sido em perdida angra;
talvez santo ou diabo que um dia estoirou
esta alma sem corpo que hoje soluça e sangra.
Serei o que não fui, nem sei o que quis ser,
talvez gnomo ou bruxo com bola de cristal,
e a bola deu-me a morte, na ânsia de viver,
enterrado no lodo que há entre o bem e o mal.
p.19
Enche de Espasmo e luar
a tua garganta de oiro
e canta a dor de se dar;
que a mais linda melopeia
está nos cornos do toiro
com patas de lua cheia.
p.48
José Apolinário Ramos, “Aquário – poemas (1968-1973)”, Composto e Impresso na Tipografia Ideal, Lisboa, em Novembro 1975.
1
Gritos negros, noite morta;
ladram os cães ao luar.
Nossa tortura suporta,
as fúrias da noite morta,
nas litanias do mar.
p.18
2.
Dá-me os teus olhos mulher,
(se forem verdes melhor),
quero senti-los morder,
a raiva do amanhecer,
em bebedeiras de amor.
Dá-me os teus olhos salgados,
feitos de estrelas do mar;
quero oferecê-los, bailados,
aos búzios enluarados,
plas chamas do teu olhar.
p.23
José Apolinário Ramos, “Encostado à Solidão – poemas”,
Tipografia Ideal, Lisboa, 1966.