Mas eleutheria – da qual, «liberdade» é uma tradução muito incompleta, – era muito mais do que isto, embora isto já seja muito. A escravidão e o despotismo são coisas que mutilam a alma, porque, como diz HOMERO: «Zeus retira ao homem metade da sua humanidade, no dia em que a escravidão dele se apodera». O hábito oriental da obediência espantava os gregos, porque não era eleutheron; aos seus olhos, constituía uma afronta à dignidade humana. Mesmo aos deuses, os Gregos oravam como homens, erectos, embora conhecessem como ninguém a diferença entre o humano e o divino. Sabiam muito bem que não eram deuses, mas sabiam que eram pelo menos, homens; e que os deuses não demoravam a abater sem piedade os que tentavam imitar a divindade, e que, de todas as qualidades dos homens, gostavam sobretudo da modéstia e do respeito. Contudo, tinham presente que deuses e homens tinham uma origem semelhante: «Uma só é a raça dos deuses e dos homens; a mesma mãe[1] nos deu respiração. Contudo, são diferentes os nossos poderes. Porque nós não somos nada, mas para eles existe sempre o brônzeo céu, sua morada segura». Assim fala PÍNDARO num belo passo, por vezes mal traduzido por especialistas que tinham a obrigação de saber mais, e o fazem significar: «Uma coisa é a raça dos deuses, outra coisa a raça dos homens». O que PÍNDARO quer frisar com este passo é a dignidade e a fraqueza do homem; e esta é, no fundo, a fonte trágica que se estende através de toda a literatura grega clássica. E foi esta consciência da dignidade de ser homem que deu tanta coacção e intensidade à palavra que nós impropriamente traduzimos por «liberdade».
H. D. F. Kitto, “Os Gregos”, pp. 16-17, Arménio Amado Editora, 3ªed., Coimbra, 1990. Tradução de José Manuel Coutinho e Castro
[1] A Terra-Mãe.
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