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Da In-Libris | Rua do Carvalhido, 194 | 4250-101 Porto | Portugal recebi
uma Newsletter: Conheça o acervo de História na estante da In-Libris, onde encontrei uma das obras mais curiosas
editadas em Portugal – CARTUCHO.
(Aliás a maioria das imagens e descritivos deste artigo foram
retiradas daqui, tentando ilustrar as ideias expressas no texto, pelo que apresento,
mais uma vez, o meu agradecimento à In-Libris)
ALEXANDRE (António Franco) & PEREIRA (Helder Moura) & JORGE
(João Miguel Fernandes) & MAGALHÃES (Joaquim Manuel). — CARTUCHO.
Edição dos autores. Lisboa, 1976, 10x10x9 cm. 21ff. (Indisponível)
Edição muito restrita desta
original obra, de manufactura artesanal composta por 20 poemas
“amarrotados”, cinco de cada um dos autores, inseridos num cartucho de papel.
(...) O meu pai deu-nos os
cartuchos, o cordel e os chumbos que os fechavam. Lá dentro ficaram poemas bem
amarrotados. Mandámos imprimir um rótulo com os nossos nomes na tipografia
«Proletariado Vermelho», que ficava no meu bairro. Não esquecer que corriam os
gloriosos dias de 76! De resto, quando eu e o Joaquim vínhamos da Consolação
com a mala do carro cheia de cartuchos acabados de fazer, fomos interceptados
por uma operação stop das vigilâncias populares, à entrada da Calçada de
Carriche. Ao mandarem abrir a mala do carro e ao verem os cartuchos
perguntaram: — «O que é isto?» O Joaquim respondeu-lhes: — «São livros!» Como
se de rosas se tratasse! Acharam coisa acertada para a revolução em curso.
(Seria este o motivo para o seu poema «28 de Setembro» de Os dias, pequenos
charcos) (...)”. — retirado de Obra Poética, 3.º Volume
— Meridional, Vinte e Nove Poemas, Direito de Mentir de
João Miguel Fernandes Jorge.
Não sendo o que
normalmente se designa por livro, este objecto ficou conhecido pela
atribuição, dada na altura pela poetisa Fiama Hasse Pais Brandão, –
de “aquilo”.
João Barrento, na Revista
Semear 4, no seu artigo Um quarto de século na Poesia Portuguesa,
diz o seguinte: “(...) Com a apresentação — de “publicação” dificilmente se
poderá falar neste caso — do Cartucho (1976), uma colecção de poemas soltos de
quatro poetas (Joaquim Manuel Magalhães, João Miguel Fernandes Jorge, António
Franco Alexandre e Helder Moura Pereira) empacotados num cartucho de mercearia
e assim vendidos, estamos perante um gesto provocatório e dum desafio — no
espírito da “Pop” americana ou da chamada “poesia de consumo” —, e assistimos
ao fim da tradição de grupos e das profissões de fé programáticas.
Os anos
sessenta tinham estado ainda totalmente subordinados ao espírito dos
Modernismos e das vanguardas históricas. Com este gesto radical (que, na sua
espectacularidade neo-dadaísta, é ainda um programa, talvez o último, depois
formulado com ira e nostalgia, agora entre as capas de um livro, por Joaquim M.
Magalhães no poema de abertura de Os Dias Pequenos Charcos, em 1981), com esse
gesto abre-se, em meados da década de setenta, uma nova fase que já se poderia
considerar pós-moderna, pelo seu lado lúdico, provocatório e descomplexado
(lembremos que o pós-moderno já vem sendo teorizado no Estados Unidos por
Leslie Fiedler desde finais da década anterior, e que precisamente esta
“geração do Cartucho” tem uma forte ligação ao mundo e à poesia
anglo-americanos, nomeadamente à cena Pop). Num certo sentido, os quatro
autores do Cartucho já eram então quatro vozes difenciadas, já tinham publicado
separadamente e enveredaram depois por caminhos que não se podem dizer
coincidentes.
Esta nova orientação da poesia portuguesa, que se anuncia em
simultâneo com a Revolução (“uma pirueta sobre o real demoníaco”, na visão de
Vasco Graça Moura em 1976), mas sem com ela ter a ver directamente, é visível
também na obra de outros autores que por esses anos ganham maior projecção, com
destaque para Nuno Júdice e Vasco Graça Moura. Trata-se de dois poetas cuja
obra ficcionaliza progressivamente o espaço lírico, rompe (tal como os poetas
do Cartucho) com os registos emocionais e ideológicos e com o pathos lírico
anteriores, cultiva uma abertura consciente a novas dicções poéticas e uma
ironia por vezes dissolvente em relação a formas e discursos antes
sacralizados, com o(s) do próprio Fernando Pessoa, para Vasco Graça Moura, ou,
para Nuno Júdice, nas muitas “Poéticas” que enchem os seus livros, a linguagem
hierática de sessenta, que um poeta sem escola, mas muito influente, como Ruy
Belo, ainda definia nos seguintes termos: “poesia é complicação, é doença da
linguagem, é desvio da sua principal função, que será comunicar. Só o poeta
fica na linguagem, os outros passam por ela, servem-se dela...” (“Da
espontaneidade em poesia”).
Com os novos poetas inventa-se um novo
discursivismo e uma nova retórica que levam, ou à encenação fictícia, no poema,
das experiências mais pessoais e mais quotidianas (em Nuno Júdice, Diogo Pires
Aurélio), ou ainda, com recurso a um largo espectro de linguagem das formas e
de formas de linguagem, ao cruzamento dos grandes temas da tradição ocidental
(o tempo e a morte, o amor e a arte) com o registo, em parlando, da
circunstancialidade mais comezinha e dos interstícios de uma realidade
“demoníaca” intensamente vivida, no caso de Vasco Graça Moura (com David
Mourão-Ferreira, ele será o grande poeta doctus de uma época e de uma poesia
que, com excepção de João Miguel Fernandes Jorge, irá cada vez mais perdendo as
ligações à tradição cultural, para as recuperar hoje), um poeta de grande
virtuosismo que assimila heranças que vão de Camões e Cesário Verde a Jorge de
Sena, Vitorino Nemésio e Alexandre O’Neill. (...)”.
Ver: Biblioteca Nacional
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