08/01/2018

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“Na casa ao lado era a corte da cabrada. Diante deles os cabritinhos abstiveram-se de tocar nos úberos maternos por discreção ou natural reserva, em contra dos cordeiros. Mas aproximaram-se de Luzia a lamber-lhe a fímbria da saia com a língua vermelha e estreita como malagueta enquanto outros olhavam para ela estarrecidos. Ao cabo dum instante, porém, familiarizados, romperam a todo o largo do estábulo em saltos e gambérrias de acrobatas incipientes. E eram encantadores como figuras de presépio com o seu pelame às malhas, o rabito alado, os botins luzentes, e no focinho um ar de esperteza e graça.
– Êstes bichinhos são os meus amores – disse ela. – Compreende-se o apêgo dos poetas antigos à vida pastoril. Na criação há lá nada mais vivo, diabólico, dinâmico que um chibato? Repare como são mais interessantes que os meninos embrutecidos por séculos de civilização, que acima de tudo tem o efeito de destruir no instinto, tenaz e sistemàticamente, o que possui de belo e autónomo. Não se sujam, não trazem ranho, não contraem doenças, não precisam de parteiras nem de médicos. Onde o espírito chegou… estragou...”

Aquilino Ribeiro, “Quando Ao Gavião Cai a Pena”, pp. 31-2, Livraria Bertrand, Lisboa, s/d.

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